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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Darwin, os transgênicos e a imunodeficiência


“No curso da evolução - corretamente entendida não como um processo teleológico ou rigidamente determinado, mas como um processo que contém a cada etapa colossais níveis de contingência -, as espécies, inclusive os seres humanos, tornaram se adaptadas aos seus ambientes por meio de um processo de seleção natural de variações inatas, operando numa escala cronológica de milhões de anos. Então, segundo esta perspectiva, nós deveríamos ter muita cautela ao fazer mudanças ecológicas fundamentais, reconhecendo que, se introduzirmos no meio ambiente substâncias novas, que não sejam produto de uma longa evolução, estaremos brincando com fogo”. (John Bellamy Foster) [1]

Há 200 anos nasceu Charles Robert Darwin, um dos mais famosos cientistas do mundo. Há 150 anos foi publicado sua principal obra sobre a origem das espécies, a qual, desde então, modificou decisivamente a concepção humana acerca da natureza. Em On the Origin of Species Darwin criou a teoria da evolução e superou a, até então dominante, teoria da teologia natural. Ao contrário da explicação criacionista para o surgimento da vida, a teoria da evolução afirma a mutabilidade das espécies, baseando-se na adaptação dos seres vivos ao ambiente, através da variação e da seleção natural. Darwin considerava a seleção natural o mais importante mecanismo da evolução e, com isso, esclareceu o desenvolvimento de todos os organismos vivos e sua divisão em diversas espécies. De acordo com essa concepção, do excesso de indivíduos sobreviveriam apenas aqueles que melhor se adaptam às condições ambientais. Somente bem mais tarde, nos anos 1930, a teoria da seleção natural desenvolvida por Darwin foi combinada com as regras da hereditariedade de Mendel, originando a teoria sintética da evolução. A enorme força dessa teoria se tornou um princípio organizativo central da Biologia moderna e constitui a explicação mais atual para a diversidade da vida no planeta. O que isso teria a ver com transgênicos?

A transgenia surgiu do desenvolvimento de diversos conhecimentos nas Ciências Naturais. Após as teorias de Darwin e Mendel, foi fundamental para a transgenia a descoberta do DNA (ácido desoxirribonucléico) e a constatação de que nele estavam genes dispostos numa determinada seqüência, sendo responsáveis pelas características hereditárias. Até esse ponto há um consenso de que o desenvolvimento científico constitui um enorme progresso, que desperta grandes esperanças para a criação de plantas e animais. Mais tarde, se descobriu que o DNA é recombinante e que, com o auxílio de enzimas (que assumem uma função similar a uma tesoura), é possível isolar e recortar suas partes. Já essa intervenção em seres vivos está associada a muitos riscos. O desenvolvimento da ciência, entretanto, foi muito mais longe, de forma que se tornou possível introduzir em um ser vivo as partes recortadas do DNA de outro. Isso é possível através de dois métodos: 1) a pistola de DNA, com a qual células com partículas de metal são pressionadas, para que determinado gene penetre o genoma de uma planta; 2) o uso de agrobactérias, que causam um tumor na planta, permitindo uma transferência de genes que supera barreiras reprodutivas existentes entre espécies.

Transgenia e melhoramento genético

Muitas vezes se procura confundir melhoramento genético com transgenia, utilizando conhecimentos da Biologia e da Genética. Embora os conceitos não sejam idênticos, o principal argumento comparativo é o seguinte: no decorrer da história, o DNA de plantas teria sido modificado mesmo sem o uso da transgenia. Com base na concepção darwiniana da natureza é possível explicar que, no decorrer da evolução, ocorreram mutações, responsáveis pela transferência de genes entre as espécies.

Diferente do melhoramento genético tradicional, entretanto, a transgenia é uma técnica de transferência de genes entre espécies. Em uma planta, por exemplo, o milho, são introduzidos genes da bactéria Bacillus Thuringiensis (que produz uma toxina nociva a determinados insetos). Trata-se de um cruzamento entre espécies que na natureza não se cruzam (o que poderia acontecer com a evolução destas em milhares ou milhões de anos) e, portanto, de uma aceleração ou de um retardamento artificial da evolução, ignorando a base necessária à adaptação e evolução das espécies. Se parte do pressuposto de que a seqüência genética tenha sido constituída por acaso e que a modificação transgência resultaria apenas em vantagens.

As multinacionais da indústria química e seus defensores trabalham com dois dogmas centrais, ou seja, que a transgenia seria objetiva (isto é, que os genes seriam isoláveis e objetivamente transferíveis entre os seres vivos) e que, no caso dos novos genes inseridos, seria verificável apenas o efeito intencionado. Essas afirmações, no entanto, não são comprovadas cientificamente. Através dos métodos atuais de transgenia os genes são inseridos espontaneamente, de forma que permanece desconhecido o local exato da inserção no genoma do organismo receptor, assim como a freqüência da integração. Por isso, é falso afirmar que a vantagem da transgenia em relação ao melhoramento genético tradicional seria o fato de poder incidir de forma mais objetiva sobre a reprodução das plantas. A genética molecular está sendo simplificada pelo conceito da transgenia como metodologia de cultivo de plantas, reduzindo-a a unidades aproveitáveis. Com isso, subestima-se o fato de que uma planta não consiste, simplesmente, na soma de genes, que a regulagem genética funciona em rede e que há uma diversidade de interações de um organismo com o meio ambiente, como conseqüência de sua capacidade histórica de adaptação[2].

Transgênicos e imunodeficiência

Embora a maioria dos cientistas financiados pela indústria química continue ignorando os dados disponíveis, a experiência com o cultivo de transgênicos demonstra que essas plantas apresentam uma menor produtividade e carecem de um maior uso de agrotóxicos em relação às plantas convencionais. Como se explica isso?

A idéia de que um gene teria apenas uma determinada função foi superada em 2001, quando se constatou que o ser humano não possui 100 mil genes, como se estimava até então, mas apenas em torno de 30 mil, os quais são responsáveis pela produção de cerca de 1 milhão de proteínas. A partir dessa constatação, se parte do pressuposto de que, no mínimo, 40% dos genes humanos sejam responsáveis por muitas e mais complexas funções do que se supunha até então[3]. As consequências da interferência do contexto em que um organismo vive em relação ao seu desenvolvimento aumenta as dificuldades da ciência, pois não bastam os resultados de pesquisas em laboratório, se a possibilidade de sua generalização para além desse ambiente é muito reduzida. Mas, já sabemos que um gene não atua de forma isolada e que a sua ação é condicionada pela base genética e pelo ambiente onde ele se situa.

A indústria da transgenia tenta suprimir os riscos apresentados pelos produtos transgênicos, tendo como fundamento razões econômicas. Na avaliação dos riscos, parte-se de uma chamada “equivalência substancial” entre organismos transgênicos e convencionais, sendo que são estudados, de forma exclusiva, os genes, sem abordar os efeitos destes a partir do contexto em que estão inseridos. Os genes de seres humanos e de macacos, por exemplo, coincidem em 99%, o que deixa claro que a mera análise genética pouco esclarece sobre a composição de um organismo. No que se refere à soja, entre seus 100 a 200 mil gens, apenas 20 foram estudados, algo em torno de 0,01% a 0,02% do genoma dessa planta[4]. Diante disso, fica claro que o princípio de uma “equivalência substancial” entre a soja transgênica e a convencional é avaliado mais por um desejo econômico do que pela seriedade científica.

A argumentação dos defensores dos transgêncios geralmente ignora a principal tese de Darwin, de que a evolução se desenvolveu de acordo com determinadas condições ambientais, que conduziram a uma adaptação e seleção dos seres vivos. Com base nesse referencial teórico, é possível argumentar que a estrutura de genes de um ser vivo é resultado da sua capacidade de adaptação às condições ambientais. Através do melhoramento genético se busca interferir artificialmente nesse processo de adaptação, de forma que, através de cruzamentos, as características desejáveis à agricultura possam ser obtidas de forma planejada.

Como a atividade de um gene depende de sua posição exata, do ambiente celular e do meio ambiente, é muito improvável que a integração de um novo gene tenha apenas uma função, sendo, portanto, difícil excluir efeitos colaterais indesejados, como, por exemplo, a produção de novas substâncias tóxicas. Ainda que se desenvolvam novos métodos para garantir o controle de genes inseridos (até o momento muito complicado, como, por exemplo, inserindo de uma só vez blocos de genes em uma planta), os efeitos colaterais não serão menores. Pelo contrário: a probabilidade só pode crescer na medida em que o metabolismo da planta aumentar em complexidade.

Nós estamos diante de um fenômeno de alta complexidade. É possível que a interferência transgênica no DNA de uma planta possa interferir de tal forma na sua capacidade de adaptação ao ambiente, que o seu sistema imunológico seja prejudicado. Seguindo a concepção de natureza de Darwin, essa possibilidade existe. Se a seqüência genética não surgiu por acaso, sendo o resultado de milhares ou até milhões de anos de adaptação e seleção natural, podemos pressupor que uma alteração artificial do DNA de um ser vivo tenha conseqüências sobre a sua capacidade de adaptação. Nós já sabemos que, na natureza, as plantas mais fracas tendem a ser mais atacadas por pragas do que as outras. Isso pode ser explicado pelo mecanismo de seleção natural. O que aconteceria com plantas que foram modificadas artificialmente pela transgenia, de tal forma que foram submetidas a um processo de evolução acelerada ou retardada? Na melhor das hipóteses, essas plantas não estariam adaptadas às atuais condições ambientais. Que efeitos poderiam ser esperados nesse caso? Se essa hipótese for confirmada, podemos pressupor que as plantas transgênicas não conseguirão se afirmar, porque, em relação às outras plantas, elas não estariam em condições de se adaptarem ao meio ambiente.

Seria necessário adaptar a natureza às plantas, pois, do contrário, elas não sobreviveriam. Essa era a concepção da maioria dos cientistas protagonistas da fracassada “Revolução Verde” na agricultura, quando entendiam que a modernização da agricultura se daria da mesma forma que a industrialização. Os argumentos dos defensores dos transgênicos (não por acaso) são os mesmos da época da “Revolução Verde”: maior produtividade, menos custos de produção e combate à fome. Os resultados desse processo, no entanto, hoje são evidentes: mesmo que, nos primeiros anos, a produtividade tenha aumentado, ela foi diminuindo gradativamente, os problemas técnicos, as aplicações de agrotóxicos e os custos de produção aumentaram.

Embora através da técnica se tenha tentando diminuir a influência de processos biológicos sobre a agricultura, os limites desse processo continuam existindo, mesmo em variedades de plantas altamente desenvolvidas. A natureza influencia e determina consideravelmente os processos produtivos na agricultura (entre outros, as estações do ano, a temperatura, os índices pluviométricos, a umidade e a fotossíntese). Alterações nesses fatores (através de estufas, da irrigação, do isolamento, e do aquecimento contra geadas, entre outros) apresentam limites econômicos e técnicos. Estas tecnologias são viáveis somente no caso de determinados produtos e grupos de produtos (legumes, determinadas frutas, viveiros de mudas, flores e outros), mas os custos se elevam em áreas de cultivo intensivo e, a partir de um determinado momento, se tornam economicamente inviáveis. A tecnologia agrícola, portanto, carece, fundamentalmente, da adaptação ao meio ambiente, e não inversamente, como no caso da indústria, onde o ambiente pode ser adaptado à produção e há condições de separar o processo produtivo da natureza[5].

A transgenia não funciona na agricultura, porque a sua lógica não considera os mecanismos da natureza e seu método está invertido: se procura desenvolver soluções antes de tentar entender as causas dos problemas. Por exemplo, há pouca pesquisa para entender porque uma lagarta se torna praga no milho ou porque mais plantas se tornam inços. As soluções desenvolvidas propõem matar, envenenar, exterminar, como se a natureza não reagisse.

Atualmente, sabemos que sementes de plantas mais robustas e resistentes não estão mais disponíveis no mercado, porque isso não interessa às multinacionais da indústria química. Com a expansão de monoculturas e a monopolização do mercado de sementes, perde-se, ao mesmo tempo, conhecimento e diversidade biológica. Como, então, poderemos resolver problemas técnicos da produção agrícola no futuro, se a base para a pesquisa está sendo exterminada? Com a transgenia essa situação somente piora, pois foram realizadas modificações artificiais na estrutura de reprodução das plantas, de forma que as menos adaptadas competem contra as forças da natureza.

Essa é a atual experiência com transgênicos propagada pela indústria química, pois, em função das condições naturais, a coexistência entre cultivos transgênicos e convencionais não é possível. Especialmente no caso do milho, a contaminação genética pode ser constatada em todas as regiões do mundo em que as plantas transgênicas começara a ser cultivadas. Querer evitar a contaminação pode ser um desejo político em muitos países, mas é uma proposta distante da realidade. Se a contaminação não fosse uma realidade, em função do pólen ser muito pesado, o cruzamento depender do mesmo período de floração e não haver a possibilidade de transferência genética, então tanto a teoria da evolução como a concepção de natureza de Darwin estariam superadas. A coexistência não é possível e, se essa é a realidade, então não adianta ter leis que estabelecem como ela deveria ser garantida. Conseqüentemente, em função dos cultivos transgênicos, a liberdade de escolha de agricultores e consumidores deixa de ser assegurada, pois ambos passam a ser forçados a utilizar as plantas transgênicas.

E essa é, provavelmente, uma responsabilidade ainda mais séria da política: enquanto não estiverem disponíveis estudos científicos suficientes sobre os efeitos dos transgênicos sobre a saúde e o meio ambiente (entre outros, por que a indústria química não tem interesse nisso), não se pode afirmar que o cultivo de transgênicos teria os mesmos riscos que os cultivos convencionais. Também isso pode ser desejado, mas está longe da realidade, pois já estão disponíveis muitos estudos demonstrando os perigos e os riscos dos transgênicos, como as plantas contendo genes do Bacillus thuringiensis, nas quais em cada célula é produzida uma toxina. Até agora, o fator decisivo para o cultivo do milho transgênico tem sido a possibilidade de combater pragas de uma forma mais eficiente e barata. Em poucos anos, no entanto, se desenvolvem pragas resistentes à toxina produzida, porque se usa apenas um produto e em enormes quantidades. Assim, em pouco tempo, a única vantagem dessa planta, o combate mais eficiente de determinadas pragas, deixa de existir.

A experiência mundial com plantas transgênicas demonstra que a transgenia é ineficiente a longo prazo (em função das crescentes resistências de pragas e inços), onerosa (em decorrência do aumento do uso de agrotóxicos), não desejada pelos consumidores e associada a muitos riscos. O fato de muitas lideranças políticas estarem ignorando essa realidade, deveria nos fazer refletir, pois a maioria da população deseja e cientistas independentes aconselham que se evite o uso dessa técnica.

Darwin oferece a base para o entendimento de muitos dos problemas da transgenia, que já estão em curso. É claro que carecemos de muito mais pesquisa nessa área. Mas, não qualquer tipo de pesquisa. São urgentes e necessários maiores investimentos em pesquisa crítica, independente, sustentável e de comprovado uso social. Do contrário, restará aos seres humanos acreditar nos cientistas. E, exatamente contra essa tendência na ciência Darwin também lutou: não se trata de uma questão de crença, é necessário entender como a natureza funciona. A teoria da evolução continua sendo a melhor explicação para os fenômenos biológicos. Essa perspectiva os cientistas naturais deveriam considerar, antes de transformarem a técnica em religião e, em função da sua crença nas assim chamadas tecnologias do futuro, ignorarem a realidade.
[1] FOSTER, John B. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2005, p. 30

[2] ANDRIOLI, Antônio I. Biosoja versus Gensoja: Eine Studie über Technik und Familienlandwirtschaft im nordwestlichen Grenzgebiet des Bundeslands Rio Grande do Sul (Brasilien). Frankfurt am Main: Peter Lang, 2007, p.166.

[3] Idem, p. 165.

[4] ANDRIOLI, Antônio I. & FUCHS, Richard (Org.) Transgênicos: As sementes do mal. A silenciosa contaminação de solos e alimentos. São Paulo: Expressão Popular, 200, p. 239.

[5] ANDRIOLI, Antônio I. Biosoja versus Gensoja: Eine Studie über Technik und Familienlandwirtschaft im nordwestlichen Grenzgebiet des Bundeslands Rio Grande do Sul (Brasilien). Frankfurt am Main: Peter Lang, 2007, S.81.

* Antônio Inácio Andrioli é professor do Mestrado em Educação nas Ciências da UNIJUÍ - RS e da Universidade Johannes Kepler de Linz (Áustria). Doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück (Alemanha)
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FONTE : Antônio Inácio Andrioli (Envolverde/Mercado Ético)
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