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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Livro resgata história das Expedições à Amazônia

"A Amazônia tem gente, não é um espaço desabitado, e essas pessoas concorreram para que as expedições fossem possíveis".

O resgate da história de 42 expedições à região amazônica por meio da síntese entre texto e mais de 280 imagens está presente no livro "Grandes Expedições à Amazônia Brasileira", lançado recentemente pela editora Metalivros. O texto é do pesquisador e diretor do Instituto Peabiru, João Meirelles Filho, e resulta de quase 20 anos de pesquisa e envolvimento do autor em iniciativas de educação, sustentabilidade ambiental e responsabilidade social na Amazônia.

Para saber um pouco mais da obra e dos desafios da região, explicitados na publicação, o Amazonia.org.br fez uma entrevista exclusiva com o autor. Confira.

Amazônia.org.br - O que o estimulou a escrever um livro com tema tão vasto?

João Meirelles Filho - Primeiramente, meu próprio interesse como leitor. Trata-se de uma obra de um leitor de viagem. Também, a percepção de que não existia um livro que levasse às pessoas esse gênero de leitura de forma um pouco mais organizada. O livro não pretende esgotar o tema, mesmo porque ele é bastante amplo, mas tem como objetivo sugerir caminhos de se conhecer a Amazônia por meio dos viajantes.

Por isso, um dos critérios de escolha das 42 expedições abordadas na obra foi a seleção de experiências que tiveram como mérito nos permitir, de forma inédita, um olhar em particular sobre a região. E nem sempre essas expedições estão ligadas a personagens historicamente importantes, como é o caso do médico alemão Robert Avé-Lallemant, por exemplo, cujos registros de sua viagem (1859) apontam muitos elementos novos.

Amazônia.org.br - Por que você delimitou o período de abrangência da obra entre 1500 e 1930?

Meirelles Filho - No projeto original, o século XX inteiro também seria abordado. Mas uma decisão editorial foi tomada no sentido de preservar a qualidade da informação. Optamos por uma maior profundidade em vez de incluirmos, de forma mais superficial, outras expedições. Dentre as escolhidas, naturalmente, há aquelas que merecem ensaios maiores, por razões como a proximidade temporal e a magnitude da obra. São os casos das expedições de Euclides da Cunha (1905) e de Rondon (1891-1930), por exemplo.

Amazônia.org.br - Como foi a experiência de escrever o último capítulo do livro, "Expedições de Rondon, o caboclo viajante", particularmente?

Meirelles Filho - Rondon é merecedor de um livro maior que este. Até mesmo porque deixa uma obra de 170 relatos técnicos e científicos. Ele é o primeiro grande brasileiro que faz expedições e chama o fotógrafo, o cineasta e o antropólogo, entre outros profissionais para delas participar. É o grande organizador de tudo isso. Rondon desempenha um papel importante no sentido de mostrar que há outros caminhos além daquele que até então se trilhava, que era o de ignorar a população local, enxotá-la da região ou simplesmente exterminá-la. Ele tenta mudar esse curso, atitude que mantém como princípio durante toda sua longa obra. Ele viajou mais do que todos os outros expedicionários juntos, tanto é que a experiência de Rondon é apresentada no livro em forma de ciclos de viagens. Portanto, acho que sua obra merece mais releituras. Devíamos ter uma estante sobre Rondon, quando na realidade temos poucas obras. Na verdade, todos os viajantes estão fora da moda.

Amazônia.org.br - Os leitores do livro provavelmente, por alguma razão subjetiva, se identificarão com algumas expedições mais do que outras. Você tem alguma preferida?

João Meirelles Filho - Acredito que o leitor, assim como eu, possa ter maior afinidade com as expedições ou os viajantes que o revelem um mundo novo. Então eu diria que, nesse sentido, aqueles menos conhecidos talvez tenham uma relevância maior, pois não estavam em nossos quadros de referência. Gente como o Pedro Teixeira (expedição de apossamento do Amazonas entre 1637 e 1639), pouco conhecido e valorizado. Mesmo Euclides da Cunha e Mário de Andrade, pessoas razoavelmente conhecidas no âmbito geral, se enquadram neste contexto. Pouca gente sabe que o Mário de Andrade foi para a Amazônia, em expedição que teve sua relevância. Eu diria que a expedição de Pedro Teixeira é a minha preferida, juntamente com a de Mário de Andrade, que apresenta um olhar importante e atual sobre a Amazônia.

Amazônia.org.br - Uma das dedicatórias da obra é dirigida às populações tradicionais da Amazônia, que ajudaram a tornar possíveis as expedições. Como elas aparecem no livro?

Meirelles Filho - Ao fazer a leitura das viagens e estudar os viajantes, percebemos que eles necessitaram da colaboração do vaqueiro, do carregador, do cozinheiro e de outros trabalhadores homens e mulheres da região. Mas nem sempre eles eram citados nos registros históricos. Algumas vezes era mencionada, pejorativamente, a participação de um índio, um negro ou um escravo na expedição. Poucas vezes, porém, era reconhecida sua importância. Ao desconstruir cada viagem, percebemos que elas não seriam possíveis apenas pela entrepidez de um expedicionário. Em geral, elas dependem de um número grande de pessoas. Quanto mais antigas, mais trabalhadores.

Talvez hoje se possa fazer uma expedição solitária, mas mesmo assim dificilmente alguém permanecerá sempre sozinho. Em algum momento vai depender de um transporte, uma alimentação, um fornecedor. Dentro deste contexto que as populações tradicionais aparecem na obra. A Amazônia tem gente, não é um espaço desabitado, e essas pessoas em vários momentos da história concorreram para que as expedições fossem possíveis, embora estivesse sempre presente o mito de que as expedições ocorriam em um vazio humano ou num lugar selvagem. Não, sempre tinha gente. Às vezes pouca gente, mas os próprios viajantes reconheciam sua presença.

Amazônia.org.br - O livro tem uma parte iconográfica muito rica. Como foi organizada?

Meirelles Filho - Foi uma preocupação que surgiu depois que o texto estava pronto. O texto foi o suporte. Houve um processo de seleção de imagens, entre 700 e 800 mapas, desenhos e fotografias, que incluiu o processo de solicitação de autorizações de uso. A parte iconográfica, na verdade, é um livro à parte. E o livro permite várias leituras. É bom que seja lido no sentido cronológico, mas nada impede que o seja feito por capítulos, de acordo com a vontade do leitor. Além disso, para completar a contextualização dos fatos, há as legendas, que ao todo somam aproximadamente 60 páginas.

Amazônia.org.br - Qual o impacto da elaboração de uma obra extensa como "Grandes Expedições à Amazônia Brasileira" sobre suas atividades profissionais como pesquisador e desenvolvedor de projetos sustentáveis?

Meirelles Filho - O resgate histórico mostra que no rápido processo de ocupação da Amazônia uma série de informações foi deixada para trás, e agora há um processo de recuperação em razão dos debates em torno do tema da sustentabilidade. Questões como a alimentação e a observação dos ciclos naturais eram preocupações vitais para a sobrevivência dos viajantes nos períodos que nos antecederam. O livro, portanto, indica caminhos para que sejam revisados conhecimentos os quais não soubemos assimilar.
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FONTE : Thiago Peres, da Amazonia.org.br (Envolverde/Amazonia.org)

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