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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Uruguai: um lugar onde as mentiras das plantações de árvores são mais do que evidentes

Em todos os cantos do mundo onde são instaladas monoculturas de árvores em grande escala, a implantação é precedida de um conjunto de promessas que servem para enganar a população local. Poucos anos depois de serem estabelecidas começa a ser constatado que as promessas não se cumprem e que a situação inclusive piora. Mas já é tarde demais. As empresas tomaram posse do território e implantaram suas plantações.

A cidade de Tranqueras, no departamento nortista de Rivera é talvez um dos exemplos mais notórios do engano florestal. Antes de o reflorestamento chegar, Tranqueras era conhecida como “a capital da melancia”, devido ao fato de os solos arenosos que a circundam serem especialmente aptos para tal lavoura. Obviamente não era a única atividade, já que a região dedicava-se também à criação de animais e a outras produções agrícolas, em grande medida por conta de pequenos e médios produtores familiares.

Hoje, Tranqueras passou a ser chamada a “capital da melancia e o reflorestamento”, mesmo que encontrar uma melancia produzida na região seja quase um milagre, já que todos os solos aptos foram ocupados por enormes plantações de pinheiros. No povoado existe uma serraria importante, que processa a madeira de pinheiro.

Quer dizer, que se as promessas de geração de emprego e desenvolvimento fossem verdadeiras, Tranqueras deveria estar em uma excelente situação, já que ao emprego gerado pelas plantações seria acrescentado o decorrente do processamento da madeira. No entanto, a situação dista muito de ser assim, e os testemunhos a seguir, reunidos em novembro de 2009, assim o comprovam:

“Não se vê a prosperidade que trouxe o reflorestamento a Tranqueras. Pelo contrário, antes havia 2 bancos, 2 postos de gasolina, 1 cooperativa agrária, 1 moinho de arroz, 1 fábrica de massas, repartição da DGI (Direção Geral Impositiva) e outras coisas. Hoje, praticamente isso tudo sumiu. Tranqueras cresceu em quê?. Em quantidade de gente, com peludos [peões] com salários de peludos [muito baixos], com mentalidade de peludos [que não aspiram a mais]. É uma população que conclui apenas a 6ª série da escola primária, com a expectativa de ter uma árvore para pelar [podar]. Qual é o avanço?” Conforme vários testemunhos, 90% dos trabalhadores florestais são peões.

Talvez o melhor resumo da situação tenha sido feito pelo testemunho de uma apicultura, que dá aula de apicultura como possível fonte alternativa de renda fora da atividade florestal. “Temos que aprender a conviver com o câncer [refere-se às plantações de pinheiros e eucaliptos]. Não temos escolha, e por isso, tentamos tirar o melhor proveito do câncer”. Quer dizer, que a única coisa que podem fazer é tentar produzir mel a partir da floração das plantações de pinheiros (que só contribuem com pólen) e das plantações de eucaliptos (que são mais aptas para a produção melífera, mas relativamente escassas na região).

A semelhança das plantações com o câncer é de fato bem clara, já que afeta gravemente a saúde dos ecossistemas locais e a sobrevivência da população local.

Sem exceções, todas as pessoas entrevistadas salientam o impacto das plantações sobre a água. Uma pessoa disse que, “os cursos d’água diminuíram, poços de 8 a 10 metros estão secos”, e outra acrescenta que, “a dessecação do solo é evidente, lugares que eram zonas úmidas hoje estão secos e passam carros”.

A desaparição da água torna impossível outras produções e as pessoas são forçadas a vender suas terras… às mesmas empresas florestais que geraram o problema. Por exemplo, há pessoas que querem se dedicar a implantar hortas orgânicas, “mas o problema é que não temos água; poços de 20 metros secaram e hoje é preciso ter poços semi- surgentes, de 60 metros de profundeza, que custam no mínimo US$ 4000”. A produção de melancia também não existe, “porque não há espaço para plantar e porque não há água”.

Além disso, a água está contaminada tanto pelos agrotóxicos usados no reflorestamento quanto pelas enormes quantidades de pólen dos pinheiros, que acabam nos cursos d’água. Uma pessoa conta que, “a água está intoxicada e que conhece uma pessoa que locou um campo vizinho e teve que devolvê-lo porque os animais não bebiam água e se o faziam morriam”. Um vereador de Tranqueras descreve o processo da seguinte forma: “Ao reflorestar, a primeira providência é matar tudo o que é vida. Saíam quadrilhas com tarros de veneno e uma colher, 14 ou 15 pessoas a 7 metros uma da outra; faziam uns 5 passos e colocavam uma colherinha de veneno; assim todo o campo ficava envenenado e se chovia, isso se espalhava e o veneno vai parar nas correntes de água e infiltra no aqüífero. Há uns 2 anos, não se sabe se pelo excesso de pólen de pinheiro, ou por esses venenos, ou por temperaturas muito baixas, morreram muitos peixes”.

O problema com “o pólen é tremendo em julho, agosto e até setembro. Enfia-se por todos os cantos, por baixo das portas, nos móveis, nas bacias de água (fica como baba), há peixes mortos no rio com uma camada de pólen”. “Há casos de conjuntivite e alergias ocasionadas pelo pólen dos pinheiros”.

Em relação à flora, “ por baixo do pinheiro não se mantém nada, tudo morre”. Este problema é claramente percebido pelos apicultores cujas abelhas não encontram nada mais do que pinheiros e eucaliptos para produzir mel.

Quanto à fauna, é afetada tanto pelo uso de agrotóxicos quanto pelas mudanças nos ecossistemas. “Perdizes, tatus-mulitas, lagartos, etc. tudo morreu com a aplicação de agrotóxicos, às vezes de ultraleve”. “Há animais que migraram”. O javali (espécie exótica) tornou-se praga e “não é possível ter ovelhas”. “Um javali percorre até 50 km em uma noite e há pessoas que com 90 ovelhas paridas restam com 15 pelos javalis, e às vezes até atacam os novilhos. O problema é mais grave ano após ano e mesmo que haja piaras de 5 a 10 javalis, também há até de 50″. Também houve aumento de raposas que afetam as produções agropecuárias. Algumas espécies nativas- como as corujas- desapareceram pelos venenos e as diversas mudanças e conforme um morador local, “agora há uns besouros que eram o alimento da coruja que se transformaram em praga”.

Na questão social, o reflorestamento resultou na expulsão da população rural. Conforme conta um morador local, “antes do reflorestamento viviam cerca de 200 famílias no meio rural e havia uma escola com aproximadamente 100 crianças. Depois do reflorestamento há 150 taperas [casas abandonadas] e uma escola com 4 alunos, hoje fechada”. Uma pessoa conta que a empresa florestal lhe ofereceu uma quantia superior ao preço de mercado por sua terra e que a vendeu. Veio ao povoado e tentou ser empregado do reflorestamento. Não foi fácil, “comeu” o dinheiro da venda e acabou no cinturão de pobreza urbano.

Com referência aos empregos, no reflorestamento não apenas são pagos salários muito baixos (“para o rango nada mais”) como também são igualmente exíguos na serraria. Alguns trabalhadores industriais contaram que “os salários são muito baixos; a gente vai de manhã cedo, às 6, e chega em casa às 6.30 da tarde, e recebemos $10.000 [uns 500 dólares] da mesma forma que há 10 anos”.

O fato de o reflorestamento ter passado a ser quase a única opção em matéria de emprego faz com que as pessoas tomem muito cuidado ao opinarem contra o reflorestamento. Como disse um produtor familiar, “Quem trabalha não reclama. Aqueles que não dependem das florestais, todos reclamam”.

Depois de mais de 20 anos de “desenvolvimento” florestal, a “capital do reflorestamento” só tem pavimento na rua principal que nem sequer tem calçada, é por isso que as pessoas devem caminhar pela rua, correndo o risco de ser atropeladas por carros e caminhões.

A situação pode ser resumida nos testemunhos a seguir: “Onde está o benefício para o povo? As pessoas foram embora do campo, vão para as cidades, alguns trabalham no reflorestamento, não porque gostem disso, senão porque é a única opção que há. A facilidade é para aquele que vem de fora e para as pessoas que têm dinheiro. Os jovens daqui não têm futuro”. “O custo de vida subiu, há menos poder aquisitivo, há mais pobres agora”.

Para vexame daqueles que ainda continuam apoiando o esquema de certificação FSC, a principal empresa plantadora da região (FYMNSA) tem suas plantações certificadas há anos pelo FSC, enquanto a gigante Weyerhaeuser começou o processo de obtenção do selo através da empresa certificadora SGS, que levará a efeito a avaliação principal na última semana de janeiro de 2010. Haja vista dos antecedentes no Uruguai, é óbvio que a obtenção do selo será uma mera tramitação e os povoadores locais não só deverão “aprender a conviver com o câncer”, como também a agüentar que seja maquiado de verde.
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FONTE : Testemunhos recolhidos pelo Grupo Guayubira em novembro de 2009. Reportagem no Boletim número 150 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, Editor: Ricardo Carrere, publicada pelo EcoDebate, 19/02/2010

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