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terça-feira, 18 de maio de 2010

PESCA DA SARDINHA : rádio anjo da guarda do mar

Graças a equipamento de comunicação, pescadores conseguem desviar de tempestades, localizar bons cardumes e, se necessário, pedir socorro

No convés do Mtanos Seif, o que se ouve é o barulho abafado do motor e das ondas arrebentando no casco do barco. Na sala de navegação, cercada de madeira e vidros, impera o silêncio. De repente, um chiado no rádio da embarcação. Mais outro. Alguém entra na frequência e diz “vai dá Flamengo”.

É final de tarde na costa do Rio de Janeiro, 18 de abril. Os 17 pescadores de Itajaí estão no 14º dia da viagem em busca dos cardumes de sardinhas. A bordo, não há nada para fazer. Só esperar pelos peixes. Na capital fluminense, é domingo de futebol. Flamengo e Botafogo disputam o título da Taça Rio.

Vavá, o homem que comanda a pesca no Mtanos Seif, ouve o comentário sobre a final do torneio. O palpite vem de um amigo do mar, que está em outra embarcação, em outro ponto da costa. Torcedor do Marcílio Dias, time de sua cidade natal, Vavá pega o rádio com a mão direita. Dá uma tossida rápida para limpar a garganta e diz ao amigo flamenguista:

– Vamo secá o teu time hoje.

O papo sobre futebol termina ali. Eles nem comentam o resultado do jogo, que deu o título ao Botafogo. Os próximos chiados no rádio abrem caminho sobre o que eles mais entendem: pesca de sardinha em alto-mar.

Nesta época, o peixe é encontrado em grandes quantidades na costa do Rio de Janeiro, por isso dezenas de barcos de várias regiões do país, a maioria de Santa Catarina, estão na área. Às vezes, 30 embarcações circulam pela região atrás dos peixes. O rádio é a principal forma de comunicação entre elas.

Amigos dentro e fora do mar, pescadores indicam os pontos em que a navegação está difícil, onde há área de instabilidade e em que posição estão os cardumes.

– A coisa tá feia aqui. Quatorze barcos acesos e pouco peixe. Ninguém merece. Tô rodando, rodando e nada. Tá tudo espalhado e pequeno – reclama, pelo rádio, um pescador durante uma madrugada sem peixe.

– Nada por aí? Tá brabo, né? Aqui tem umas pipoquinhas na mesma posição de ontem. Mas ainda é pouco. Vou dar uma olhada mais para o sul. Acho que tá melhor. O mar parece estar mais calmo por lá – responde mais um homem do mar.

Frequência exclusiva

Em outro dia, a troca de mensagens pela frequência 80, usada só por barcos de pesca da sardinha, era mais animadora. Alguém comenta:

– O tempo está melhor agora. Estamos indo mais para o norte, perto de Cabo Frio. Tão dizendo que tem peixe grande por lá.

No Mtanos Seif, Vavá é quem mais fala ao rádio. Apesar de a traineira de Itajaí ter sonar, equipamento que localiza cardumes a até 1,6 quilômetro de distância, o “olho” dos amigos em outros pontos do mar o ajuda muito na captura das sardinhas.

Cada vez que sai para pescar, a meta do itajaiense é capturar cerca de 180 toneladas do peixe. Em 17 de abril, 13º dia da viagem acompanhada pelo DC, ainda faltavam 50 toneladas para atingir a meta. E pelo tempo que estavam navegando, os reservatórios já deveriam estar cheios. Havia pescadores em situação pior:

– Nós ainda conseguimos fazer uma razoável pescaria. Mas tô vendo que não vamos conseguir completar o barco nesta viagem – diz Vavá ao irmão, o “pão de milho”, que está em outro barco.

O homem que comanda a pesca no barco de Itajaí já foi salvo pelo rádio. Foi em 1990, quando pescava sardinhas em Tramandaí, no Rio Grande do Sul. A tripulação pegou tanto peixe que nem cabia no barco. A quantidade impressionava até os mais experientes. Agitado com a fartura, teve um infarte:

– Eu via os outros falarem comigo e não conseguia ter nenhuma reação. Fiquei completamente paralisado.

Pelo rádio, a tripulação do Mtanos Seif pediu ajuda à Capitania dos Portos, que acionou um médico que estava no mar da região por causa de um acidente entre dois petroleiros. Foi a salvação.

Everton, filho de Vavá, lembra do drama a bordo:

– Ele estava diferente de como era. Ficamos assustados com a situação. A sorte foi a capitania estar atendendo o acidente entre os petroleiros. Se não tivéssemos o rádio, ele com certeza não iria sobreviver.

Mimi, o homem das panelas

Dezonir Miguel de Oliveira é o homem das panelas no Mtanos Seif. Tem 43 anos e há 24 faz comida para pescadores em alto-mar. Prefere cozinhar em terra firme. Mas dentro da água, diz, ganha-se mais.

O cozinheiro dos mares tem casa em Governador Celso Ramos, a 30 quilômetros de Florianópolis. É casado e tem uma filha. Quando está em casa, também é dele a responsabilidade de cozinhar.

No barco, todos os dias faz feijão, arroz, massa, carne vermelha e frango. Quando tem peixe, também prepara. Nas madrugadas, durante os ataques às sardinhas, sempre faz um mingau e uma sopa de miojo com ovos.

Mimi, como é conhecido, trabalha e fala rápido. Às vezes, é difícil até de entendê-lo.

– Não consigo ficar parado. Gosto muito de falar – brinca.

Guincho no mar
O rádio também ajuda a chamar os navios-rebocadores. Esse tipo de embarcação fica em pontos do Atlântico Sul para socorrer barcos com problemas mecânicos. Há uma frequência para acionar o resgate.
Vai chover?
Pelo rádio, os pescadores recebem também informações de clima. Das 9h às 10h e à tarde, rádios de Navegantes, Itajaí e Passo de Torres informam a previsão do tempo.
O comando
Há uma frequência exclusiva para falar com a Capitania dos Portos. É usada sempre que há problemas com a embarcação e com a tripulação. Também há um canal com o Ibama para avisar de crimes ambientais.
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FONTE : jorn. GUTO KUERTEN (Diário Catarinense, edição de 18/maio/2010)

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