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terça-feira, 14 de setembro de 2010

‘É ridículo duvidar que a Terra está se aquecendo. Nenhum cientista duvida’. : entrevista com Phil Jones

Phil Jones passou um ano horrível. No final de 2009, pouco antes da Cúpula do Clima de Copenhague, um hacker postou na Internet milhares de e-mails da prestigiada Unidade de Investigação do Clima (CRU, na sigla em inglês) que ele dirige na universidade britânica de East Anglia. O escândalo ficou conhecido como Climategate, já que, nos e-mails, Jones e seus colegas aparentemente exageravam o aquecimento global. Jones, britânico nascido em 1952, acaba de voltar ao seu posto depois que as comissões que o investigaram descartaram a má prática. Na próxima quarta-feira, ele vai dar uma conferência em Madri, dentro de um ciclo organizado pela Associação Cultural Despierta e pela La Casa Encendida.

A reportagem é de Rafael Méndez, publicada no jornal El País, 12-09-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O senhor ou a sua equipe exageraram o aquecimento?

Nunca. Não manipulamos os dados. Não há dúvida de que existe aquecimento. Existem dois outros grupos nos Estados Unidos que usam outras séries de dados, e todos os grupos dão mais ou menos o mesmo aquecimento. Nossa série inclusive dá menos do que as dos EUA.

Mesmo na última década?

Mesmo na última década, sim. É preciso valorizar a significância estatística do aquecimento, é difícil trabalhar com tendências de curto prazo, é algo que não se deve fazer. Você não deve esperar aumentos temperatura a cada ano, o sistema climático não funciona assim. Há variabilidade anual em eventos como o El Niño ou os vulcões, e qualquer aquecimento produzido pelo homem se sobrepõe a isso.

Não há debate científico sobre essa questão?

Não, nenhum. Nenhum climatologista duvida disso. Isso vem de pessoas que saem na imprensa para fazer com que o público duvide.

Bem, eles estão tendo sucesso.

Isso é o que eles fazem, semear dúvidas. Não pesquisam, não produzem novas séries de temperaturas dos últimos 100 anos. As pessoas criticavam que não publicávamos os dados brutos de temperatura das nossas estações. Fizemos isso em janeiro, e ninguém os usou. É só barulho na Internet e na imprensa. Li um livro em que se comparava isso com as táticas das companhias de tabaco no passado para calar os médicos que diziam que o tabaco causava câncer. Tentaram semear dúvidas sobre isso.

Quem o senhor acha que pode ter pirateado seus e-mails?

Eu não sei. Nem eu, nem ninguém. Estamos convencidos de que foi alguém de fora da universidade.

Alguém que queria minar a confiança pública na ciência das mudanças climáticas?

Provavelmente.

O senhor afirmou que, nesses e-mails, o senhor havia dito “coisas horríveis”. A que se referia?

Queria dizer que alguns e-mails vistos anos depois podiam ser mal interpretados. Tony Blair diz, em suas memórias, que esperava nunca aprovar a Lei de Liberdade de Informação, porque ela torna praticamente impossível para o governo ter uma discussão franca. Tudo o que for escrito em um e-mail pode ser usado mais tarde. As coisas são tiradas fora de contexto e foram mal interpretadas à luz dos acontecimentos posteriores. Esses e-mails nunca foram escritos para serem lidos dez anos depois.

Como o senhor acha que vai ser o Climategate daqui a 20 ou 30 anos? O senhor acha que vai ser importante ou será considerado uma anedota?

Espero que as pessoas voltem a acreditar na ciência, mas acho que vai demorar alguns anos. Aqui, há duas questões. Muitas pessoas acreditam que o planeta está aquecendo. É ridículo colocar em dúvida o aquecimento global, que é algo claro, e nenhum cientista o questiona. Depois, há pessoas que dizem que, mesmo que seja assim, não se deve à atividade humana.

O debate sobre a influência do homem é relevante?

Há alguns cientistas que ainda duvidam, mas são poucos. E quando você lhes pergunta como explicam o aquecimento ocorrido, eles têm muita dificuldade, porque é muito difícil encontrar outra explicação racional, além dos gases do efeito estufa.

Dizem que houve um período quente semelhante na Idade Média.

São necessárias mais evidências para esse período, sobre o qual há informação muito restringida, e só do hemisfério norte.

Mas houve períodos tão quentes como o atual.

Sim, mas sabemos porque houve períodos quentes e frios no passado. A quantidade de radiação solar era diferente e por isso teremos idades de gelo no futuro. Esses processos ainda continuam e vão continuar, mas têm uma escala temporal completamente diferente da humana. Aqui falamos de mudanças climáticas em um século, muito rápidos em comparação com os do passado.

Também há quem diga, que mesmo que o aquecimento se deva à emissão de gases do efeito estufa, ele não é preocupante.

Em algumas regiões, pode ser que não haja com o que se preocupar. Na Europa ocidental, os impactos não serão muito graves. Os britânicos não se importam de ter um clima um pouco mais quente, assim não teriam que ir de férias. Mas, no sul da Espanha, onde já faz muito calor, a vida poderia se tornar muito difícil, e em outras zonas aumentariam as secas. As previsões que aparecem no painel do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – falam de um aumento de temperatura entre dois e seis graus até 2100 se continuarmos emitindo gases do efeito estufa como até agora. Mesmo um aumento de dois graus é um aquecimento muito grande. Essa é a média mundial, por isso algumas regiões se aqueceriam muito mais. Eu não acho que essa incerteza seja uma desculpa para não fazer nada. Você pode dizer que outras coisas são mais importantes. Mesmo a menor previsão representa um aquecimento 2,5 vezes maior do que no século XX.

Mesmo assim, às vezes, o senhor disse que há solução.

Há pessoas que dizem que estamos condenados, mas isso é ridículo. Mesmo com seis graus a mais, continuaremos aqui, não desaparecemos como espécie. E é ridículo mirar na pior previsão.

Não houve muita rapidez em vincular cada onda de calor e cada seca com as mudanças climáticas? Assim, quando houve um inverno frio, os céticos o usaram para dizer que não está acontecendo nada.

O inverno passado pareceu muito frio. Mas só foi assim na Europa ocidental e na costa leste da América do Norte. No entanto, ele foi o mais quente em todo o mundo desde 1850. Porque na sua região houve um inverno frio, você não pode dizer que no mundo faz frio. Você precisa olhar séries de décadas, não cada ano. A década que agora terminamos foi a mais quente desde 1850 e foi mais quente do que os anos 90, que, por sua vez, foram mais quentes do que os 80, e estes, mais do que os 70, e assim por diante. Essas são as mudanças climáticas e aquilo que devemos olhar.

E o senhor não acha que houve muito catastrofismo e que isso acabou debilitando a percepção do problema?

Pode ser que sim, por parte de organizações ambientalistas, mas não acho que esse extremismo chegou às revistas científicas, que só publicam fatos comprovados. O problema é como às vezes essa informação aparece na imprensa.

Algumas dessas afirmações alarmistas e sem rigor chegaram, sim, ao IPCC.

Não tantas no grupo de ciência.

Uma investigação independente concluiu que o gráfico do taco de hóquei, que mostrava um aumento da temperatura muito acentuada no século XX, era enganoso.

Esse diagrama não foi a nenhum trabalho científico, nem está no último relatório do IPCC. Foi para o relatório anual da Organização Meteorológica Mundial de 1999. Foi feito para um público não científico, por isso era relativamente simples. Às vezes, nos pedem que escrevamos em termos simples para um público amplo, e às vezes é difícil pôr advertências e que, mesmo assim, continue sendo interessante para o público em geral.
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FONTE : (Ecodebate, 14/09/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação. [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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