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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

COP-16: Em Cancún, entre sonho e realidade - Washington Novaes

Como já se previra em artigo neste espaço (3/12), foram bastante modestos os resultados da reunião da Convenção do Clima em Cancún, no México.

Quase todas as discussões importantes foram prorrogadas para o ano que vem: 1) Saber se haverá ou não um novo Protocolo de Kyoto, que obrigue os países industrializados a reduzirem suas emissões de gases poluentes – o atual expira em 2012 e ainda não foi cumprido totalmente (e hoje os países industrializados, por ele abrangidos, emitem menos que os países em desenvolvimento – cerca de um terço do total, ante 85% em 1990); 2) saber com quanto cada país industrializado contribuirá para um fundo que ajude os países mais pobres a enfrentar mudanças climáticas (US$ 30 bilhões até 2012 e US$ 100 bilhões anuais até 2020); 3) saber como funcionará o Redd (redução de emissões por desmatamento e degradação de florestas tropicais, com financiamento dos países mais ricos).

Não se aprovou nenhum acordo obrigatório para redução de emissões, embora os participantes reconheçam que “o aquecimento global é inequívoco” e que é preciso empenho para que o aumento da temperatura do planeta até 2015 não ultrapasse 1,5 grau Celsius (já subiu 0,8 grau e 2010 é o ano mais quente do planeta em mais de um século). Mais difícil ainda será reduzir as emissões entre 25% e 40% (sobre as de 1990) até 2020; ou “50% ou mais até meados do século”, para que não se eleve mais de 2 graus e seja ainda mais grave, como lembrou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, acentuando que naquele momento a Terra terá 9 bilhões de habitantes, consumindo e emitindo. Apesar de tudo, no final da reunião houve certo alívio e até otimismo com a aprovação de um documento (“não vinculante”), ainda que para isso a presidente da reunião tenha decidido que “consenso” (obrigatório para tomar decisões em reuniões da ONU como essa) não significa “unanimidade”. A Bolívia, o único país contra a aprovação, já anunciou que recorrerá à Corte Internacional de Haia.

Autoridades brasileiras saíram quase exultantes da reunião, por alguns motivos. O primeiro é o anúncio de que o desmatamento na Amazônia em 2009-2010 (6.451 quilômetros quadrados, com margem de erro de 10%) foi o menor das últimas décadas, 13,6% menor que no período anterior – embora se reconheça que o desmate em áreas menores que 0,5 km2 não é detectado pelos satélites de monitoramento rápido; e algumas instituições digam que a degradação de florestas ali, com corte seletivo, não mensurado, seja muito forte. Hoje, o desmatamento no mundo responde por pelo menos 15% das emissões totais, com a perda de quase 10 milhões de hectares anuais. É pena, entretanto, que, apesar desse contexto, o decreto presidencial brasileiro sobre a estratégia para ocupação de território na Amazônia e conservação de recursos naturais tenha aberto exceção para a implantação da BR-319, que atravessa áreas de preservação permanente.

Outra razão para o otimismo de nossas autoridades foi o anúncio, durante a convenção, do decreto presidencial que, ao regulamentar a lei nacional da política de clima, prevê que o País em 2020 esteja emitindo, no máximo, 2,1 bilhões de toneladas anuais de gases poluentes (mais de 11 toneladas/ano por habitante); sem essa exigência, ao ritmo atual, as emissões poderiam chegar a 3,2 bilhões de toneladas anuais naquela data. O decreto permitiria também cumprir o objetivo anunciado em 2009, em Copenhague, de reduzir as emissões brasileiras entre 36% e 38,9% sobre o total a que chegariam em 2020. Cumprir o decreto exigirá que o País reduza suas emissões em 6% sobre as registradas em 2005, ano do último inventário nacional. E publique em 2011 os resultados desmembrados em 12 setores econômicos, com os respectivos planos de ação. Mas o sistema abrirá caminho para um “mercado nacional de carbono”, ao admitir que um setor ou empresa venda créditos a outro setor ou empresa que não tenha cumprido suas metas.

Depois de Cancún, continuam sem resposta várias questões decisivas: 1) Até o ano que vem, vai-se conseguir superar a resistência do Japão, da Rússia e outros países à prorrogação (ou um novo acordo) do Protocolo de Kyoto, sem adesão dos Estados Unidos (que não homologaram o que está em vigor e, para qualquer hipótese, dependerão da improvável aprovação do Congresso), da China e de outros grandes emissores ? 2) Será possível chegar em 2011 a um acordo “vinculante”, de compromissos obrigatórios de redução de emissões de todos os países, de modo a cumprir as metas globais até 2050? 3) Que regras no Redd definirão que países poderão receber recursos (com ou sem monitoramento externo?), que nações proverão o dinheiro, qual o valor? 4) Que países, em meio à atual crise econômica, proverão recursos necessários para se chegar a US$ 100 bilhões anuais destinados a projetos de adaptação a mudanças climáticas nos países mais pobres?

E, pairando no ar, a nova e complexa questão: como se fará daqui por diante, uma vez quebrada a regra do consenso, indispensável nas votações em convenções da ONU – quando a Bolívia votou contra um fundo, sob a alegação de que não se deve comercializar a natureza (os doadores poderiam contabilizar os benefícios em seus inventários de emissões)? E se a Corte de Haia, à qual a Bolívia recorrerá, lhe der razão? Ou se em alguma nova votação houver um voto contrário dos Estados Unidos, da China, do Japão, grandes emissores? Esse voto terá o mesmo tratamento dado à Bolívia? Com que consequências, já que o consenso decorre da necessidade de uma regra universal, para ser cumprida por todos os países – uma vez que em questões como as do clima um país, sozinho, pode prejudicar muito o panorama?

Chega-se a 2011 com as mesmas questões sobre a mesa. E em Cancún já se ouviram vozes afirmando que é preciso buscar novos caminhos, fora das convenções “paralisantes” da ONU.
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FONTE : Washington Novaes é jornalista.(artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo).(EcoDebate, 20/12/2010).

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