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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A distância entre a agenda do Congresso Nacional e a realidade do país

As tragédias provocadas pelas chuvas no começo de cada ano no Brasil já não surpreendem mais por seu registro, e sim por sua intensidade e poder de destruição, como demonstram, desta vez, as terríveis imagens de águas descendo morros e levando tudo em seu caminho nas cidades da região serrana do Rio de Janeiro. Perdemos mais vidas que países ainda mais castigados do que nós, como a Austrália.

Outro ponto em comum observado nesse período é que, em muitos desses lugares, o ser humano simplesmente não deveria estar presente. Pelo menos não com essa forma de ocupação, que implica uma série de problemas. A ocupação de encostas e morros, das margens dos rios, e a destruição de várzeas por onde a água poderia naturalmente se acumular são alguns exemplos da presença humana que contrariam leis da natureza.

Essa reflexão pareceria óbvia se, a partir das catástrofes, as ações subseqüentes fossem na direção de se providenciar a correção de rumos. Ou seja, evitar novas ocupações, retirar as pessoas dos locais ocupados irregularmente, proteger as margens dos rios, córregos e riachos etc.

Como dissemos, apesar da obviedade dessas afirmações, somos surpreendidos com notícias de que a situação pode até mesmo piorar com a adoção de leis que, de certa maneira, representam um incentivo a interferências humanas fadadas a trazer conseqüências negativas.

O jornal Folha de S. Paulo de domingo, 16/1, afirma em manchete: “Novo Código Florestal amplia risco de desastre”. Segundo a reportagem, o texto do novo código em tramitação no Congresso Nacional “deixa de considerar topos de morros como áreas de preservação permanente e libera a construção de habitações em encostas”, o que ampliaria as ocupações de áreas sujeitas a tragédias em zonas urbanas.

Na mesma matéria, o relator do projeto do novo Código Florestal, deputado Aldo Rebelo, nega que as ocupações de morros e encostas em áreas urbanas estejam contempladas na lei, o que é desmentido pela reportagem.

O fato é que leis e medidas deveriam estar sendo tomadas num sentido totalmente oposto, buscando prevenir futuras tragédias que fatalmente irão ocorrer se forem mantidos os mesmos elementos que vêm causando, ano após ano, destruições em grande escala, que atingiram seu ápice com esse triste episódio do Rio de Janeiro.

Caminhos existem para compatibilizarmos o desenvolvimento econômico com ações positivas em relação ao meio ambiente. Um bom exemplo é a criação de corredores ecológicos, que conjugam a recuperação de um bioma, por meio do replantio da mata nativa, com o cultivo de florestas para fins comerciais. É o que vem ocorrendo, por exemplo, no Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo.

É preciso integrar as diversas políticas para a área ambiental de modo a beneficiar o conjunto da sociedade, e não apenas alguns poucos. Conjugar áreas de reserva e proteção ambiental com as demandas da produção agrícola é possível e deveria ser o objetivo central da política nacional de meio ambiente.

Nesse sentido, há um descompasso entre a política oficial do Executivo com o que vem sendo discutido no Congresso Nacional. Da forma como está, o governo brasileiro terá dificuldades para honrar o compromisso voluntário que assumiu em 2009, durante a Conferência do Clima de Copenhague, de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% em relação às quantidades estimadas para 2020. A meta é baseada, principalmente, na diminuição do desmatamento.

O novo Código Florestal, cuja votação está prevista para o próximo mês de março, estabelece, ainda, maiores enfrentamentos às leis da natureza, como a redução, de 30 metros para 15 metros, da área de preservação permanente às margens de rios com até 5 metros de largura, e a retirada da obrigatoriedade de manutenção de mata em pequenas propriedades, inclusive na região amazônica. O texto prevê também anistia para produtores rurais que cometeram crimes ambientais até julho de 2008, data da segunda regulamentação da Lei de Crimes Ambientais. Com isso, os produtores, mesmo que tenham infringido a lei, poderão continuar com suas atividades na reserva legal ou nas áreas de proteção permanente até a elaboração do Programa de Regularização Ambiental.

A prestigiada revista científica Science chegou a publicar no ano passado carta de pesquisadores brasileiros com alertas para a possibilidade de extinção de mais de 100 mil espécies de animais e aumento substancial das emissões de gás carbônico na atmosfera, caso as alterações no Código Florestal sejam aprovadas. Segundo o texto, as mudanças no código preocupam a comunidade científica no Brasil, que foi "largamente ignorada" durante a elaboração das propostas. A carta classifica as possíveis alterações como o "pior retrocesso" em relação às questões ambientais em 50 anos.

A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais completas do mundo. Em 1998, foi criado outro importante aparato legislativo no país em defesa do meio ambiente. Sancionada em fevereiro daquele ano, a Lei 1905, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, especifica responsabilidades penais e administrativas para o infrator que agrida o meio ambiente, pelo desmatamento de áreas preservadas, por exemplo.

Se, com uma excelente legislação ambiental, não temos sido capazes de coibir as ocupações e a destruição das margens de rios, responsáveis pelas recentes tragédias, o que poderemos esperar da liberação proposta pelo novo Código Florestal? Caso ele seja aprovado como está, teremos de redobrar a atenção para os chamados fenômenos climáticos.

Em relação às empresas e aos empresários, caberá a eles agir de modo a respeitar os mais altos princípios socioambientais, a fim de reduzir ao máximo o impacto de suas atividades. A redução dos desperdícios, o aumento da eficiência energética, a busca pelo resíduo zero, a recuperação dos recursos naturais e o estabelecimento de metas para reduzir e compensar os impactos ambientais devem ser perseguidos por todas as empresas que tenham um real compromisso com a responsabilidade socioambiental, independentemente de possíveis liberalidades previstas em lei.
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FONTE : Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.(Envolverde/Instituto Ethos).

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