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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Desenvolvimento na Amazônia: várias incógnitas. Entrevista com Adriana Ramos, ISA

“Tudo que se conhece sobre a Amazônia, em relação aos ciclos econômicos, não encontra parâmetros naquilo que está sendo planejado”, diz a coordenadora executiva do Instituto Socioambiental – ISA.
Confira a entrevista.
Os projetos de infraestrutura e desenvolvimento previstos para a Amazônia nos próximos anos requerem uma discussão acerca do desenvolvimento das cidades e da economia regional, pontua Adriana Ramos em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Segundo ela, os investimentos no setor energético e de mineração na Amazônia são preocupantes por causa do alto impacto ambiental e social, os quais não contribuem efetivamente para o desenvolvimento da região. Ao propor uma reflexão sobre omodelo desenvolvimentista em curso, ela enfatiza que o “Brasil tem um papel muito importante nesse processo, não só pelos projetos na Amazônia brasileira, mas também pelo fato de que o Brasil é o principal financiador de projetos similares em outros países da Amazônia”.

Ao comentar obras como a de Belo Monte, Adriana menciona a necessidade de discutir o “desenvolvimento das cidades na Amazônia, porque a Amazônia tem uma população majoritariamente urbana, mas essa urbanização não é similar às outras regiões do país”. Segundo ela, “há uma série de deficiências de equipamentos de infraestrutura urbana nas cidades da Amazônia e uma pressão muito grande também das atividades econômicas. Então, como assegurar que a qualidade de vida das cidades e que o modelo das cidades amazônicas estejam adequados à realidade regional?”, questiona.
Na avaliação dela, “a ausência do poder público” impede a garantia dos direitos básicos à população durante a realização dos empreendimentos. “Por isso, começam a ter os processos de compensação dessas grandes obras, investimentos na área de saneamento básico, de instalação de postos de saúde, escolas, que deveriam ser, digamos, a obrigação do poder público e que acabam sendo realizados como se fossem uma coisa trazida por um benefício dos empreendimentos”, critica.
Adriana Ramos (foto abaixo) é graduada em Comunicação Social e morou em Manaus entre 1991 e 1994. Trabalha no ISA em Brasília desde 1995 como assessora de políticas públicas. Atualmente é coordenadora da iniciativa amazônica e membro do Conselho Diretor do ISA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a infraestrutura e o desenvolvimento foram discutidos no VI Encontro do Fórum Amazônia Sustentável e II Encontro Panamazônico do Fórum Amazônia Sustentável e Articulação Regional da Amazônia – ARA, realizados recentemente?

Adriana Ramos
– Discutiu-se a questão da infraestrutura a partir do grande desafio desses megaprojetos de infraestrutura pensados para a Amazônia. Na primeira sessão foi destacado o fato de que tudo que se conhece sobre a Amazônia, em relação aos ciclos econômicos, não encontra parâmetros naquilo que está sendo planejado. Então, sabemos como a Amazônia reage a certo tipo de intervenção, quais são os impactos e os riscos. Então, o que vai ser a Amazônia após a implementação dessa infraestrutura, principalmente, considerando a forma como ela vem sendo implementada, com uma série de problemas nos processos de licenciamento ambiental, com uma série de deficiências nos processos de consulta ou inclusão social? São incógnitas. O Brasil tem um papel muito importante nesse processo, não só pelos projetos na Amazônia brasileira, mas também pelo fato de que o Brasil é o principal financiador de projetos similares em outros países da Amazônia. Então, temos de assumir a responsabilidade de fazer esse debate sobre o que será essa região no futuro e como será possível desenvolver a região de um modo menos predatório.
Alternativas
Além disso, o debate sobre o desenvolvimento abarca também a discussão sobre quais são as alternativas a esse modelo. Nessa perspectiva, é preciso pensar a sustentabilidade da floresta, da biodiversidade, que depende, no caso do Brasil, de ter uma legislação adequada para que o país possa, de fato, se beneficiar do potencial de uso, por exemplo, biotecnológico da biodiversidade, assegurando às comunidades locais, que são responsáveis pela manutenção desse patrimônio, direitos e benefícios. Também discutimos o desenvolvimento das cidades na Amazônia, porque esta tem uma população majoritariamente urbana. Porém, essa urbanização não é similar às outras regiões do país. Há uma série de deficiências de equipamentos de infraestrutura urbana nas cidades da Amazônia e uma pressão muito grande também das atividades econômicas. Então, como assegurar que a qualidade de vida das cidades e que o modelo das cidades amazônicas estejam adequados à realidade regional?
IHU On-Line – Quais são os projetos de infraestrutura e desenvolvimento previstos para o futuro que mais causam ou causarão impacto na Amazônia?
Adriana Ramos – A importância que tem sido dada à mineração na balança comercial da região é preocupante, porque a atividade de mineração é de alto impacto, e agora estamos em fase de rediscutir o Código de Mineração, e protestar diante da abertura da mineração em terras indígenas. Então, nos preocupa muito a forma como esse processo vai avançar.
Há uma deficiência da infraestrutura, por exemplo, de telecomunicações, que não é devidamente tratada nos projetos em desenvolvimento. De certa forma, é uma nova rodada de exploração na Amazônia pelo resto do Brasil e do mundo, não necessariamente configurando projeto de desenvolvimento para a própria região amazônica. Essa é uma das características desse modelo, que causa muita preocupação, porque o que temos visto é que as populações da própria região são as que mais sofrem os impactos e as deficiências do atendimento que acontece.
Preocupa também a expansão do agronegócio no sentido de que as grandes expansões de terra para a monocultura, muitas vezes, são pagas pela exportação, criando um desequilíbrio e pressão sobre a questão pluviária e a presença das populações tradicionais. Além disso, esses grandes projetos têm desregulamentados outros setores, e a mudança do Código Florestal demonstra isso. Recentemente houve uma notícia no jornal de que o setor rural apresentou ao candidato à presidência da Câmara, Henrique Alves, a agenda prioritária que inclui a discussão da legislação trabalhista, a qualificação da questão do trabalho escravo, que é uma tentativa de desconsiderar a qualificação do trabalho escravo como é feita hoje, e a discussão da questão indígena, já que existem inúmeras propostas tramitando no Congresso Nacional que tentam diminuir a garantia dos direitos indígenas. Então, os grandes processos econômicos estão associados ao processo de desregulação que podem agravar esse quadro.
IHU On-Line – Uma das sugestões para reverter o atual projeto de desenvolvimento na Amazônia é investir no desenvolvimento da economia regional. Em que consiste essa proposta especificamente?
Adriana Ramos – Essa proposta questiona a infraestrutura proposta para a região. Entendemos que esse projeto de infraestrutura está inserido num projeto de desenvolvimento nacional, mas que não é regional, porque a região não será desenvolvida. Pretendemos, portanto, com essa proposta aumentar, dar mais valor, mais espaço para projetos de desenvolvimento a partir das riquezas da região, para a própria região.
Tem, por exemplo, um conjunto de comunidades locais que desenvolvem um projeto de uso sustentável da biodiversidade da floresta. Esse projeto poderia ser ampliado no estado, contribuindo, também, para a valorização da cultura dessas comunidades. Na região existem exemplos bem sucedidos de produtos que são comercializados para a região: o açaí, por exemplo, virou um produto de exportação tanto para o Brasil quanto para o resto do mundo, a partir da iniciativa dos microempreendedores. Além disso, a floresta tem nas madeiras um conjunto de riquezas de grande potencial, como o desenvolvimento de produtos a nível local, como óleos.
Outro problema é a substituição da agricultura familiar pelos grandes plantios. Quer dizer, é preciso encontrar formas de garantir a manutenção da agricultura familiar, porque ela é muito mais inclusiva socialmente. Além disso, ela está diretamente associada à produção de alimentos. Então, perder a área de produção da agricultura familiar para grandes plantios de exportação não traz benefício para a região, porque se cria um déficit à medida que se passa a importar produtos que poderiam estar sendo produzidos ali. Houve casos em situações-limites nas quais a distribuição de cesta básica do governo trazia a farinha de mandioca do Paraná para as cidades da Amazônia, sendo que a mandioca faz parte da economia nativa dessa região.
IHU On-Line – Qual a situação social e econômica das populações que vivem próximas às áreas florestais? Quais os impactos sociais desses projetos de infraestrutura?
Adriana Ramos – Há uma situação de grande fragilidade dos sistemas de atendimento público na área de saúde, de educação, saneamento básico. Então, as cidades da Amazônia têm uma carência grande de atendimento de serviços básicos, de estrutura, de geração de empregos. E, por ocasião dos grandes empreendimentos, muitas pessoas migram para a região na expectativa de que ela irá se desenvolver. Uma das questões que se discute nesse sentido é a ausência do poder público para garantir os direitos básicos à população. Por isso começam a ter os processos de compensação dessas grandes obras, investimentos na área de saneamento básico, de instalação de postos de saúde, escolas, que deveriam ser, digamos, a obrigação do poder público e que acabam sendo realizados como se fossem uma coisa trazida por um benefício dos empreendimentos.
Muitas vezes essas iniciativas não são concretizadas no sentido de serem implementadas, pelo menos não a tempo de dar conta do aumento das demandas sobre esses serviços causados pela migração. Basta ver o exemplo de Altamira, por causa de Belo Monte. Os investimentos prévios, que deveriam ter sido feitos na cidade não só para atender a população, mas também para garantir a chegada desse contingente de novos trabalhadores não foram realizados. A cidade entrou em colapso: há um aumento indiscriminado no preço dos aluguéis e uma incapacidade do sistema público de saúde e de educação em dar conta dessa demanda. Trata-se de uma cidade que já tinha uma série de fragilidades, que foram agravadas com a construção de Belo Monte. Quando a obra de Belo Monte acabar, uma parte desse contingente ficará na cidade, e ela continuará sobrecarregada. Outra parte desse contingente migrará para novas obras e irá gerar essa mesma situação de caos em outras localidades.
Se vamos optar por esse modelo de grandes obras, temos conhecimento de causa de lições aprendidas em casos anteriores, e sabemos exatamente o que é preciso fazer, como investir previamente para preparar a cidade? Se a sociedade tem a consciência de quais são os impactos e quais são os benefícios, ela pode aceitar isso, mas para que isso aconteça, é preciso que os processos, primeiro, sejam transparentes e negociados devidamente, e, em segundo lugar, que de fato a população tenha algum tipo de benefício, ou seja, que esses investimentos cheguem. Então, não se trata de ser contra o modelo como um todo necessariamente, mas sim contra a forma como esse modelo vem sendo implementado. Isso porque ele está longe de assegurar qualquer tipo de sustentabilidade ambiental ou social e, de repente, até econômica, porque temos visto que essas obras são calculadas sem levar em consideração esses investimentos.

IHU On-Line – Quais são os interesses econômicos e políticos entrelaçados com esses projetos de infraestrutura e desenvolvimento? Tem interesses internacionais envolvidos nesses projetos?

Adriana Ramos – Com certeza. Vivemos numa economia globalizada em que é muito difícil fazer essa distinção entre empreendimentos nacionais e internacionais. Então, uma parte da energia gerada na Amazônia será utilizada para a produção de alumínio, que é registrada por empresas nacionais e estrangeiras que, evidentemente, se qualificam com empresas nacionais e com empresas internacionais. Além disso, uma parte dessa produção será utilizada para a exportação. De certa forma, estamos exportando nossa água, a nossa qualidade ambiental dos rios. isso porque, no momento em que se faz uma barragem para gerar energia para a produção de alumínio que vai para a exportação, esse alumínio tem um preço barato, visto as empresas não pagam pelas águas que usam e a energia é barata por conta do modelo de financiamento dessas obras. Então, sem dúvida nenhuma outros interesses se conectam com as políticas elaboradas no Brasil historicamente.

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FONTE : (Ecodebate, 12/12/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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