ChileIslaRiesco TERRAMÉRICA – Outra batalha energética
O Lago Botella, uma zona da austral Ilha Riesco, acessível apenas por mar, que foi habitada por indígenas. Foto: José Antonio de Pablo/IPS
A exploração de carvão de baixa qualidade em uma área austral abre nova frente na guerra social e ambiental que vive o complexo setor energético do Chile.
Santiago, Chile, 27 de maio de 2013 (Terramérica).- Um megaprojeto de exploração de cinco jazidas de carvão a céu aberto acontece na chilena Ilha Riesco, no extremo sul da América do Sul, habitat de cervos, pumas, baleias-jubarte e mais de cem espécies de aves. A Ilha Riesco fica no limite sul da Patagônia chilena, na margem norte do Estreito de Magalhães. As minas Invierno, Elena, Área Oeste, Adele e Río Eduardo formam o investimento da Companhia de Petróleo do Chile (Copec) e da empresa de navegação Ultramar para realizar uma das explorações carboníferas de maior envergadura na América Latina.
A primeira mina foi aprovada pelo Serviço de Avaliação Ambiental da região de Magalhães no dia 15 de fevereiro de 2011 e ratificado em agosto do mesmo ano pelo Conselho de Ministros para a Sustentabilidade, apesar de mais de 1.500 observações apresentadas por organizações ecologistas e da sociedade civil. A mina Invierno, que já está funcionando, representa investimento de US$ 530 milhões para extrair cerca de seis milhões de toneladas de carvão por ano. De acordo com estudos preliminares, suas reservas totais somam 73 milhões de toneladas, permitindo uma operação contínua durante pelo menos 12 anos.
Ilha Riesco fica mais de três mil quilômetros ao sul de Santiago. Sua superfície de cinco mil quilômetros quadrados faz dela a quarta maior ilha do Chile. Abriga a reserva nacional Alacalufes, com grande parte de território virgem, além de populações de cervos, pumas e 136 espécies de aves, muitas delas em perigo de extinção. Suas costas são habitat de quatro espécies de golfinhos, pinguins e da baleia-jubarte, que se alimenta no Parque Marinho Francisco Coloane, próximo à ilha. Tem pouco mais de 150 habitantes, divididos em 30 propriedades, que vivem da pecuária ovina e bovina, do turismo de aventura, de observação e rural, da pesca e da piscicultura.
No entanto, a região de Magalhães possui a principal reserva carbonífera do Chile, estratégica para um país cuja demanda energética está em alta e que depende das importações. Porém, a ecologista Ana Stipicic, porta-voz do grupo Alerta Ilha Riesco, disse ao Terramérica que se trata de um carvão de má qualidade. “É um carvão sub-betuminoso B e C, de baixa lei e poder calorífico, por isso deve ser queimada maior quantidade para obter o calor necessário e é um dos mais contaminantes”, acrescentou.
“O carvão da Ilha Riesco quebra facilmente, o que provocará toneladas de dispersão de pequenos pedaços de carvão no meio ambiente”, alertou Ana. A mina Invierno, a céu aberto, é um grande buraco de quase 500 hectares e 180 metros de profundidade. Afeta de forma mais direta uma área de 1.500 hectares, que inclui a parte perfurada e três locais de depósito para resíduos de 60 metros de altura. O projeto conta com um porto, que já funciona, onde são feitos trabalhos de trituração, armazenamento, carga e transporte do carvão.
A empresa Minera Isla Riesco – cujos acionistas são a Copec e a Ultramar – realizou, no dia 22 de março, seu primeiro carregamento-teste no porto, com resultados desastrosos, segundo Ana. Enquanto eram carregadas 30 mil toneladas de carvão, inesperadamente começou a emanar uma cortina de pó negro que cobriu o navio Tatio. Os executivos da mineradora admitiram que o fato passou “uma imagem desastrosa e indesejada”. O gerente de Sustentabilidade, José Manuel Aguirre, atribuiu o problema a uma série de más coincidências do sistema de carga. O carvão foi igualmente despachado para centrais termoelétricas do norte do Chile e para a Europa, embora a Ásia seja o mercado que absorverá entre 40% e 50% da produção da mina.
A deputada por Magalhães, Carolina Goic, do opositor Partido Democrata Cristão, garantiu ao Terramérica que o episódio evidenciou os pontos negativos do projeto e confirmou parte dos temores de seus críticos. Nós, os legisladores da região, “fiscalizamos as normas ambiental e trabalhista, que aponta vários compromissos estabelecidos pela empresa que não são cumpridos”, afirmou. Estes descumprimentos provocaram, por exemplo, uma prolongada greve dos trabalhadores da mina, apontou. No dia 2 deste mês, a empresa anunciou em seu site um segundo carregamento-teste, que aconteceu “com toda normalidade e altos padrões ambientais”.
Ana denunciou erros no estudo de impacto ambiental da mina Invierno porque, em um informe de seis mil páginas, “omitiu uma boa análise do tipo de carvão que será extraído e a soma de todos os impactos que o projeto terá”. A ativista acrescentou que “o modelo de dispersão de contaminantes foi realizado para rajadas de vento uma média de 30 quilômetros por hora, mas em Magalhães, somente na semana passada, tivemos ventos de quase 180 quilômetros por hora”.
Flavia Liberona, da Fundação Terram, disse ao Terramérica que a Ilha Riesco é “uma região de ecossistemas únicos, valiosos, primitivos e, portanto, o impacto da mineração, mesmo pensando que estamos no primeiro projeto, é gravíssimo”. Além disso, acrescentou, “há antecedentes de que todo este carvão, que será transportado por embarcação, também vai gerar um nível de acidificação das águas da costa”, advertiu.
Estima-se que o carvão da Ilha Riesco abastecerá 30% da demanda nacional deste mineral. Atualmente funcionam 13 centrais termoelétricas movidas a carvão, outras dez estão sendo construídas, e mais cinco aguardam aprovação dos respectivos projetos. “Nossa matriz energética está carbonizada”, opinou Ana. Com a capacidade instalada e em construção, o país chegará a 55% de geração elétrica à base de carvão, um dos hidrocarbonos cuja combustão libera mais gases-estufa. “É muito”, destacou.
Porém, é possível melhorar o consumo de carvão e de outros combustíveis sólidos mediante uma normativa que regule as usinas termoelétricas, “mas isso não existe no Chile”, ressaltou Flavia. O Alerta Isla Riesco apresentou uma demanda judicial que busca paralisar a mina Invierno. “Entramos com processo contra a mina, a ministra do Meio Ambiente (María Ignacia Benítez), por ser a presidente do Conselho de Ministros, e o governador de Magalhães (Mauricio Peña y Lillo), por ser o presidente da Comissão Regional do Meio Ambiente”, explicou Ana. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.

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Fundação Terram, em espanhol e inglês

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FONTE : Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica)