640px NAM Members svg 629x323 IPS e seu meio século de luta contra o subdesenvolvimento
Membros do Movimento de Países Não Alinhados. Em azul claro se distinguem os países observadores. Foto: Ichwan Palongeng/Creative Commons

ROMA, Itália, setembro/2014 – A ideia de criar a IPS nasceu no início dos anos 1960, como consequência da constatação de um vazio, em duas dimensões.
Primeiro, um grande desequilíbrio informativo mundial: um universo noticioso concentrado nos maiores países industrializados e manejado por poucas e grandes agências e serviços de difusão do Norte industrial.
Do lado oposto, falta de informação sobre os países não desenvolvidos do Sul e não só do Sul. Quase nenhuma informação sobre suas realidades políticas, econômicas e sociais, salvo quando ocorria algum desastre natural, e inclusive muitas das poucas informações estavam repletas de preconceitos culturais sobre esses países. Resumindo, pouca imagem e má imagem.
Segundo, a escassez em geral, de análises e enfoques sobre os processos por trás das notícias e a escassez de gêneros jornalísticos nas agências, como reportagens especiais, análises, artigos de opinião e jornalismo investigativo.
As agências se dedicavam principalmente às spot news (notícias imediatas), às meras notícias com escasso contexto. É claro que esse gênero jornalístico não dá lugar para os temas vinculados com o desenvolvimento.
Se, por exemplo, se fala de uma epidemia, ou mesmo de uma catástrofe em um país do Terceiro Mundo, as spot newsse limitam a descrever os fatos, transmitir as imagens e focar na assistência internacional.
Geralmente, não procuram identificar as causas que fazem com que as doenças desaparecidas ou completamente controladas no Norte possam gerar terríveis pandemias em alguns dos países menos desenvolvidos, ou que um terremoto de maior intensidade na cidade norte-americana de Los Angeles ou no Japão cause muito menos mortes e destruição do que um de menor intensidade no Haiti.
Esse tipo de tratamento superficial e parcial ainda predomina na informação internacional.
A informação contextualizada e analítica era encontrada em grande parte nos jornais ao estilo anglo-saxões, nas chamadas páginas de opinião. Mas os artigos de fundo e as análises das páginas de opinião se concentravam nos países do Norte, focados nos interesses do Norte.
Com relação aos anos 1960, esse tipo de artigo aumentou nitidamente, mas continua prevalecendo o enfoque do Norte.
Este tipo de jornalismo vertical era funcional aos interesses dos países industrializados e, portanto, se orientava a prolongar e estender sua dominação mundial e a subordinação dos países não industrializados e exportadores de matérias-primas, sem ou com escasso valor agregado.
Essa estrutura concentrada e desigual da informação mundial afeta os países em desenvolvimento. Como exemplo, devido à imagem criada pela escassa e distorcida informação, era difícil um empresário da indústria em expansão do Norte se decidir a instalar uma fábrica em países do Sul, sobre os quais pouco ou nada sabia, que presumia pouco civilizados e perigosos, carentes de economias externas, com insegurança jurídica, etc.
É claro que poucos se arriscavam e os investimentos se concentravam sempre mais na dimensão Norte-Norte, reforçando o desenvolvimento nos países desenvolvidos e o subdesenvolvimento nos países subdesenvolvidos.
Na década de 1960, ao criarmos a IPS, nos propusemos a trabalhar para contribuir para corrigir essa imagem parcial, desigual e distorcida que as agências internacionais davam ao mundo de então, cuja geografia política e econômica era, certamente, bem diferente da atual.
Dos países hoje emergentes se podia dizer o mesmo que a irônica e depreciadora frase que circulava sobre o Brasil: “É um país do futuro, e sempre será”.
Estava-se em meio ao processo de descolonização na África, Ásia e Caribe. A América Latina era politicamente independente, mas economicamente dependente. Em 1961, nasce o Movimento dos Países Não Alinhados.
A IPS nunca se propôs a apresentar uma imagem “positiva” dos países do Sul, reduzindo ou ocultando os problemas reais, como a corrupção, mas a um enfoque objetivo que se integrasse à informação do Sul no universo informativo, com os pontos de vista e interesses do Sul.
Isso significava um modo diferente de olhar o mundo e de fazer jornalismo, isto é, olhá-lo a partir da realidade do Sul e de seus problemas sociais e econômicos.
Vejamos um exemplo vinculado diretamente ao desenvolvimento.
Os meios tradicionais de informação costumam associar os aumentos dos preços das matérias-primas a sinais negativos: causadores de inflação, caros para os consumidores e as famílias, responsáveis por distorcer a economia mundial.
Claramente, esse ponto de vista é o dos países industrializados, que importam matérias a baixo custo que transformam em manufaturas e assim podem expandir suas empresas e competir no mercado mundial.
Não há dúvidas de que alguns aumentos fortes e repentinos de algumas matérias-primas podem causar problemas à economia internacional e inclusive afetar as populações de alguns países pobres que devem importar essas matérias-primas.
Mas o enfoque generalizado e constante contra os aumentos de preços das matérias-primas omite uma realidade: a estatisticamente comprovada deterioração secular dos preços das matéria-prima em relação aos preços das manufaturas, com exceção do petróleo desde 1973.
Portanto, a política editorial da IPS consiste em fornecer informações e análises que mostrem como, sem preços justos e bem remunerados por suas matérias-primas, e sem um crescente valor agregado aos seus produtos agrícolas e minerais, os países exportadores de produtos básicos não poderão superar o subdesenvolvimento e a pobreza.
Muito mudou desde a década de 1960 a geografia econômica e a política mundial, e as novas tecnologias da comunicação produziram uma revolução na mídia, como é notório.
Nesse contexto, muitos pesquisadores da comunicação reconheceram que a IPS contribui para incorporar um tipo de jornalismo mais analítico e mais apropriado para focar e compreender processos econômicos, sociais e políticos, que simultaneamente contribuem para maior conhecimento da problemática dos países do Sul.
O enfoque dos jornalistas dedicados aos temas de desenvolvimento implica, primeiramente, uma análise crítica do conteúdo das notícias que circulam no espectro informativo.
Em segundo lugar, consiste em analisar os temas econômicos e sociais, “de outro ponto de vista”: o dos setores sociais marginalizados ou oprimidos, o dos países pobres que não conseguem sair do subdesenvolvimento devido aos termos desfavoráveis do intercâmbio comercial, ao protecionismo agrícola ou por outras razões.
Esse outro olhar serve também para compreender como estão conseguindo sair do subdesenvolvimento alguns países emergentes, que papel pode ter a cooperação internacional e se, para prestar ajuda ou fazer acordos bilaterais ou multilaterais, os países do Norte e as instituições internacionais que controlam exigem condicionamentos que, na realidade, perpetuam a situação de desenvolvimento desigual.
Essas são apenas algumas importantes esferas nas quais se comprova um tratamento informativo desequilibrado e discriminatório.
A conclusão é que um jornalista especializado nos temas do desenvolvimento deve poder olhar e analisar a informação e a realidade “do outro lado”, que apesar da globalização e da revolução nas comunicações continua sendo pouco conhecido e ocupa um espaço marginal no universo informativo internacional.
Se forem considerados os temas que mencionamos em sua total e verdadeira dimensão e se os confrontarmos com as informações e análises que diariamente nos oferecem os meios predominantes em quase todo o mundo – não só no Norte, mas também em muitos meios do Sul –, salta à vista a necessidade de uma informação global e desinteressada que corrija o desequilíbrio entre Norte e Sul. A esta tarefa árdua e a esta meta ainda muito distante, a IPS dedica todos seus esforços há meio século. Envolverde/IPS
Pablo Piacentini é cofundador da IPS e atual diretor do Serviço de Colunistas da IPS.
(IPS)