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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

PECUÁRIA, AMEAÇA E OPORTUNIDADE

A América Latina produz 23% da carne bovina do mundo, que é a ponteira da próspera pecuária regional, embora a atividade ameace sua sustentabilidade. Na foto, um pequeno rebanho busca abrigo em torno da única árvore no pasto, noPampa argentino. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
A América Latina produz 23% da carne bovina do mundo, que é a ponteira da próspera pecuária regional, embora a atividade ameace sua sustentabilidade. Na foto, um pequeno rebanho busca abrigo em torno da única árvore no pasto, noPampa argentino. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
A pecuária proporciona multimilionários dividendos à América Latina, mas também um amplo e variado impacto ambiental que torna urgente sua transformação em uma atividade sustentável que seja ecologicamente amigável, socialmente aceita e economicamente rentável.
Por Orlando Milesi, da IPS – 
Santiago, Chile, 31/8/2016 – “A América Latina não pode continuar ignorando, do ponto de vista de suas políticas públicas, os desafios de uma pecuária que seja sustentável”, opinou à IPS o biólogo Javier Simonetti, acadêmico do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade do Chile.
A pecuária tem vários custos na região, “mas estes são sanáveis e redutíveis na hierarquia de mitigação. Sou razoavelmente otimista”, afirmou Simonetti.A pecuária latino-americana é um setor estratégico para a segurança alimentar da região e do mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 25% das calorias e 15% das proteínas consumidas pelos latino-americanos são de origem animal.
O setor pecuário contribui com 46% do produto interno bruto (PIB) agrícola da região, embora se trate de uma atividade concentrada em cinco países(Brasil, Uruguai, Paraguai, México e Argentina, pela ordem), que detêm 75% da produção. Aproximadamente 80% dos produtores de carne da região são pequenos agricultores familiares, que desenvolvem uma tradição pecuária extensiva e rural.
No entanto, o aumento crescente da demanda mundial por produtos de origem animal gerou importante impacto ambiental, que pode se agravar caso se concretizem os prognósticos segundo os quais a demanda mundial aumentará em até 70%até 2050. “O processo de expansão da pecuária que vivem os países da América Latina representa tanto uma oportunidade como uma ameaça para o desenvolvimento sustentável da região”, apontou à IPS a oficial de Saúde e Proteção Animal da FAO, Deyanira Barrero.
“Por um lado, é uma oportunidade para gerar riqueza e mitigar a pobreza se forem tomadas as decisões políticas adequadas e promovidos sistemas de produção pecuária sustentáveis e amigáveis com o ambiente. Por outro lado, é uma ameaça, se a expansão da atividade continuar sem considerar custos ambientais e potenciais efeitos de marginalização dos pequenos produtores”, advertiu Barrero.
A América Latina, com apenas 13,5% da população do planeta, produz pouco mais de 23% da carne bovina e de búfalo e 21,4% da carne de ave do mundo, sendo o maior exportador desses produtos, enquanto também se mantém como importante produtor e exportador de carne de porco e lácteos. Mas o lado negativo dessa expansão é que 70% das pastagens da região apresentam nível moderado ou severo de degradação.
Barrero pontuou, na sede regional da FAO, em Santiago, que os principais custos ambientais associados à pecuária na América Latina estão relacionados com os níveis de desmatamento, degradação dos solos e das pradarias, perda de biodiversidade, redução do recurso hídrico e emissões de gases de efeito estufa (GEI).
Segundo números da FAO, o setor pecuário incide de maneira importante na mudança climática, com emissões estimadas em 7,1 giga toneladas de dióxido de carbono equivalente por ano, que representam 14,5% das emissões de GEI induzidas pelo ser humano. A produção de carne e leite de vaca responde pela maioria das emissões, pois contribui com 41% e 29%, respectivamente.
Na América Latina, as áreas mais suscetíveis à ampliação da fronteira agrícola e pecuária correspondem a ecossistemas da Amazônia no Brasil, o Chaco americano na Argentina, Paraguai e Bolívia, e as zonas áridas e semiáridas de Argentina e Chile. Por isso, afirmam os especialistas, devem ser adotadas ações decididas para que o crescimento do setor seja feito de modo ambientalmente sustentável e que contribua, ao mesmo tempo, para a mitigação da mudança climática, da pobreza e para melhorar a saúde humana.
Nessa linha, os pequenos produtores são fundamentais para atenuar as ameaças, disse Barreto. “Os produtores pecuários familiares estão mais expostos aos riscos da mudança climática, mas são atores essenciais na sua mitigação toda vez que se presume que algumas práticas mais comuns entre estes poderiam ser favoráveis à proteção do ambiente, acrescentou.Por essa razão, são necessárias políticas de apoio, marcos institucionais e incentivos adequados, e uma governança mais proativa para se alcançar sua integração e evitar a marginalização.
Simonetti alertou que “a pecuária gera um conjunto de problemas ambientais e sociais que não são devidamente incorporados em nenhuma política pública. Com alguns incentivos ou orientações, ou mesmo restrições, poderiam perfeitamente deixar de ser um problema para serem, pelo menos, neutros”, destacou.O especialista recordou que no Chile, por exemplo, são gastos cerca de 15 mil litros de água para cada quilo de carne produzido, e ressaltou que, “se não modificarmos esse enorme gasto com água, iremos mal não só como país, mas como mundo inteiro. Por isso, todos precisam sentar e conversar”.
Atendendo à urgência, em junho, durante a Sexta Reunião da Agenda Global da Pecuária Sustentável, realizada no Panamá, os governos da região destacaram a necessidade de se articular suas políticas pecuárias com as de desenvolvimento rural, social e ambiental, para alcançar a sustentabilidade nessa atividade.Também acordaram garantir a participação ativa da região na formulação e execução dos planos de trabalho da Agenda Global, a partir das prioridades definidas pelos países na Comissão de Desenvolvimento Pecuário para a América Latina e o Caribe, cuja secretaria técnica é exercida pela FAO.
Para os especialistas, o conhecimento local e a diversidade dos sistemas produtivos familiares são as principais ferramentas para diminuir os riscos associados à mudança climática e aos desastres naturais.
“As políticas de adaptação à mudança climática devem considerar a relação entre vulnerabilidade agroclimática e segurança alimentar e também impulsionar programas específicos de adaptação à mudança climática em zonas rurais”, indicou Barrero. Isso deve acontecer “valorizando-se o uso de raças locais adaptadas que foram conservadas pelos pequenos produtores, bem como o uso sustentável de cultivos agrícolas locais tolerantes à seca e que servem de fonte para alimentação humana e animal”, enfatizou.
A especialista da FAO destacou que essa é uma responsabilidade de todos os atores da sociedade. “A mudança climática é uma questão mundial e as cadeias de suprimento na pecuária estão cada vez mais conectadas em nível internacional. Para serem eficazes e justas, as medidas de mitigação também devem ser globais”, concluiu.
Integrantes de uma pequena cooperativa avícola em El Salvador, que gera renda para o grupo de mulheres que promoveu a iniciativa e para suas famílias. A América Latina é o maior exportador mundial de carne de ave. Foto: Edgardo Ayala/IPS
Integrantes de uma pequena cooperativa avícola em El Salvador, que gera renda para o grupo de mulheres que promoveu a iniciativa e para suas famílias. A América Latina é o maior exportador mundial de carne de ave. Foto: Edgardo Ayala/IPS
Iniciativas para a sustentabilidade
Na América Latina existem alternativas animadoras, dos setores público e privado, para encarar a sustentabilidade do setor pecuário.Na Costa Rica e no Uruguai, por exemplo, o trabalho intersetorial entre os ministérios de Agricultura e do Ambiente permitiu implantar algumas estratégias com a elaboração das Ações Nacionais de Mitigação Apropriadas.
O biólogo Javier Simonetti também mencionou o caso da Argentina, onde um grupo liderado por David Bilenca, pesquisador e acadêmico da Universidade de Buenos Aires, trabalha noPampa modificando as rotações e a carga animal.Isso gerou pastos com diferentes alturas, que permitem manter uma enorme riqueza de aves nativas. “Eles estão usando as aves como indicador de biodiversidade, e conseguiram modificar o efeito da pecuária tradicional sobre a avifauna”, destacou.
No sul do Chile, pecuaristas começaram a fazer mudanças no manejo das rotações para conseguir o mesmo: manter a qualidade das pastagens e reduzir o impacto da diversidade biológica. Christian Hepp, coordenador de Sistemas Pecuários, do governamental Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Chile, disse à IPS que,no país, ao contrário de outros da região, as limitações de superfície produtiva promoveram a intensificação dos sistemas pecuários mais do que sua expansão territorial.
“Trata-se de otimizar o uso da superfície disponível, já que essa atividade compete com outros setores produtivos, como a agricultura, o setor florestal e o imobiliário”, explicou Hepp, destacando que, embora existam no Chile muitos tipos e sistemas de produção, “uma visão de futuro necessariamente deve considerar os aspectos ambientais e sociais, além da viabilidade técnico-econômica”.
Para Hepp, na América Latina, “a sociedade está cada vez mais exigente quanto aos produtos de origem animal atenderem as condições de não serem nocivos, apresentarem boas práticas produtivas e atenção a temáticas novas, como o bem-estar animal”.E acrescentou que “as estratégias devem, provavelmente, se focar em uma forte capacitação com programas de extensão e transferência tecnológica, modelos de produção pecuária limpa, terrenos certificados em termos sanitários, sistemas de rastreamento completo e aplicação de boas práticas pecuárias”.Envolverde/IPS

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