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terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Saúde no semiárido: Impactos da seca na saúde humana

Saúde no semiárido é tema de reportagem da série Clima e Saúde
Por Graça Portela (Icict/Fiocruz)
Como será morar em cidades que a média do índice pluviométrico mensal varia entre 0,67 mm a 2,48 mm? Como será morar em uma cidade que a chuva é rara, impactando a saúde física e mental da população? Essa é a realidade com a qual convivem, em tempos de seca, cidades como Sebastião Laranjeiras (BA), Janaúba (MG), Picos (PI) e Sobral (CE), localizadas na região do semiárido brasileiro. Nos períodos de seca, esses municípios viram o número de internações crescer de forma assustadora. Os dados do Sistema de Informações Hospitalares do Datasus (Ministério da Saúde) e da Divisão de Satélites e Sistemas Ambientais (DSA), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), mostram isso.
Por exemplo, em junho de 2012, em Sebastião Laranjeiras, choveu o equivalente a 0,51 mm, apresentando uma taxa de internação hospitalar para casos de diarreia e gastroenterites de 282 pacientes, na faixa etária entre cinco e nove anos. No mesmo mês, em Picos, para a mesma faixa etária, mas com precipitação de 2,54 mm, o número de internações foi de 2.118.
Em Sobral, por conta de uma precipitação média de 128 mm, em março de 2014, considerada alta para a região, a asma levou 601 pessoas a serem internadas. Janaúba, em outubro do mesmo ano, apresentou 150 internações – em ambos os casos, também na faixa etária entre cinco e nove anos. A cidade mineira também sofreu uma forte epidemia de dengue, em março de 2012, quando a precipitação foi de 53,42 mm e a taxa de internações foi de 445, na faixa etária entre 20 e 64 anos.
Segundo Patricia Feitosa, pesquisadora do Observatório Nacional de Clima e Saúde, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), em uma consulta interativa feita à base de dados do Monitor de Seca e Saúde, do Observatório, que vem sendo montado com esses dados, é possível saber que “há diferenças dos picos de internação entre a quadra chuvosa e o período de estiagem”. A pesquisadora explica que ao longo dos meses, “no início da estiagem predominam as internações por asma e no auge do período mais seco, especificamente nos meses de setembro até novembro, as internações por diarreia são mais frequentes. Ao contrário da quadra chuvosa, que devido à elevação das precipitações pode elevar a incidência de dengue clássica e as taxas de internação para esta doença”.
População vulnerável
A população sofre como um todo, mas, como explica Patrícia Feitosa, alguns grupos são mais vulneráveis aos efeitos da seca: “a partir dos dados do Monitor, que foram formulados pela revisão da literatura, é possível saber que a internação hospitalar por asma atinge principalmente crianças na faixa etária entre zero a nove anos; já aqueles entre zero e quatro anos, os casos são por diarreia e entre 20 e 64 anos, o motivo da internação é dengue”. Ela chama a atenção que, além destes, “outros grupos encontrados em artigos específicos podem ser agricultores idosos e mulheres”.
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Os dados só reforçam o que a pesquisadora associada ao Observatório Nacional de Clima e Saúde, Aderita Sena, já afirma: “é necessário prestar muita atenção à situação do semiárido e avaliar se as medidas estabelecidas são suficientes para uma região que pode ser ainda mais afetada, tanto pelo aumento da temperatura, quanto pela diminuição da precipitação, devido às mudanças climáticas”.
Produzido por pesquisadores da Fiocruz que uniram-se a especialistas das universidades de Washington (EUA) e de Canberra (Austrália), o artigo Indicators to measure risk of disaster associated with drought: Implications for the health sector (publicado em julho de 2017) aborda as vulnerabilidades, exposições, perigos e riscos para a saúde resultantes das secas em 1.135 municípios da região do semiárido. O objetivo do estudo é identificar os municípios que estão em alto risco de desastre de seca, mostrando as diferenças entre os do semiárido e do resto do país.
O estudo utilizou dados sobre os municípios dos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) nos anos de 1991, 2000 e 2010. Segundo Sena, “os resultados apresentaram diferenças significantes quando comparando os 1.135 municípios do Semiárido com os demais municípios do Brasil. A região do semiárido é mais desfavorável em muitos de seus indicadores”, afirma.
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Novo semiárido
A região do semiárido brasileiro inclui 1.262 municípios, segundo informações atualizadas no segundo semestre de 2017 do Ministério da Integração Nacional, distribuídos pelos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Sergipe e Rio Grande do Norte, num total de 26,62 milhões de habitantes. Na região, 61,97% da população vive na área urbana e 38,03% na área rural, e desta população, 41,3% dos habitantes estão na faixa etária entre zero e 17 anos.
Para o pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva, da Fiocruz Pernambuco, André Monteiro, o semiárido não é mais o que foi retratado por Graciliano Ramos (Vidas Secas), Euclides da Cunha (Os sertões) ou Raquel de Queiroz (O Quinze): “há uma complexidade nas reterritorializações do semiárido ocorridas a partir da década de 1970, quando foi introduzido o agronegócio. Desde então, os pólos de irrigação, a expansão dos grandes açudes e daí a fruticultura e cana-de-acúcar consolidaram e ampliaram a concentração de água, de terra e de poder”, explica. Para ele, “no contexto da expansão das commodities e sua centralidade na política econômica brasileira, outros processos produtivos se ampliaram no semiárido, como a mineração, as energias eólica, solar e nuclear, a carcinocultura, a piscicultura, a de celulose e de termelétrica”. Ainda segundo Monteiro, “os impactos ambientais e os processos de vulnerabilização de comunidades tradicionais foram expandidos”.
André Monteiro ressalta que questões como a produção de commodities, aliada à concentração de terra e água, também é um problema para a região. “Houve uma redução no assentamento de famílias e os conflitos no campo deixaram de ser majoritariamente para reforma agrária e passaram a sê-lo nos povos tradicionais, como indígenas, quilombolas, posseiros e outros. Isso ocorreu em decorrência da  expansão do agronegócio”, explica. Ele explica que a posição da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), que implantou tecnologias sociais associadas à água de chuva, mas não disputou o uso da água prioritariamente para a população. “Essa visão da ASA está mudando. Recentemente, pretendem disputar as águas superficiais e subterrâneas. Uma reorientação que julgo acertada”, afirma. Segundo o pesquisador, “para um efetivo avanço, há que haver democratização no acesso à terra e à água”, afirma.
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O desenvolvimento da região também passa por uma perspectiva da saúde, como afirma Aderita Sena: “a saúde é central para se alcançar um desenvolvimento sustentável na região”. Ela fala não só das ações de saúde, mas também que a “resiliência das comunidades do Semiárido necessita ser reforçada com ações para reduzir a pobreza e aumentar o nível educacional, e buscar junto às comunidades ações apropriadas frente a um ambiente pouco favorável. De outra maneira, se enfraquece a possibilidade de adaptação a um clima que no futuro poderia ser mais inóspito”, lembrando que “as atuais tendências sociais e ambientais e os futuros impactos esperados devido às mudanças climáticas na região do Semiárido Brasileiro apresentam importantes desafios para o setor saúde”, como conclui em sua tese de doutorado Seca, vulnerabilidade socioambiental e saúde: impactos no Semiárido brasileiro,  defendida em 2017. Aderita Sena enfatiza que “a saúde é central para se alcançar um desenvolvimento sustentável na região”.
Neste sentido, o Monitor de Seca e Saúde acaba se tornando um instrumento fundamental de comunicação e informação em saúde, atuando junto aos diversos níveis de governo, aos movimentos sociais e às academias, como explica André Medeiros: “os movimentos sociais e as academias no semiárido têm diversas entradas de articulações que potencializam esse diálogo, em relação a várias frentes: nas tecnologias sociais de acesso à água, às redes de agroecologia, agrofloresta, permacultura, bancos de sementes crioulas, etc”. Para o pesquisador da Fiocruz Pernambuco, “a construção de espaços de diálogos e convergências com os achados do Monitor da Seca e Saúde com órgãos públicos e entidades dos movimentos sociais me parecem potentes para um salto de qualidade na compreensão da complexidade desse semiárido contemporâneo”, conclui.
Segundo Christovam Barcellos, coordenador do Observatório Nacional de Clima e Saúde, “o Monitor de Seca e Saúde pretende reunir dados sobre a precipitação, o estado da vegetação, que dariam uma ideia da intensidade da seca, bem como informações sobre produção agrícola, doenças e decretos de calamidade, que por sua vez podem identificar os impactos da seca sobre a saúde de cada município da região”.
“Tudo tem o seu tratamento”
“Mas, que a seca castiga a gente, castiga”: essa frase de Terezinha Pereira, moradora de Itapetim, no semiárido pernambucano, resume bem o que foi o ano de 2013 naquela região. Os preços altos das mercadorias, a água de caminhão pipa, os animais nos sítios morrendo, a água de poço para cozinhar, a terra e o mato seco.
Os pesquisadores Carlos Machado de Freitas e Vânia Rocha, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), produziram um documentário intitulado Seca, condições de vida e saúde no semiárido para o curso Agentes Locais em Desastres Naturais, mostrando os efeitos da seca e os impactos na saúde da população de Itapetim (13.855 habitantes). A cidade de 13.885 habitantes é terra de grandes repentistas, como os Irmãos Batista – Dimas, Otacílio e Lourival, este último conhecido como Louro do Pajeú – e Rogaciano Leite, dentre outros.
De forma simples,  Marinalva dos Santos, outra moradora de Itapetim,  mostra o papel da saúde para a população do semiárido: “A gente tem que aprender a viver com o semiárido e a resolver… Assim, se a gente não resolve o problema de seca, mas pode – essa é a minha conceçpão – a gente pode fazer uma prevenção, né?  A gente tomava água sem critério, sem nenhum tratamento, depois dos agentes de saúde, com a graça de Deus, são uns anjos, né? Que orienta, que cuida, que tá ali toda a hora orientando, as pessoas já estão bastante instruídas, desenvolvidas para entender que a água de cisterna é importante, né? Que a água do tanque de pedra, do açude também, mas que tudo tem o seu tratamento”.

Do Observatório Nacional de Clima e Saúde, do Icict/Fiocruz, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/02/2018


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